Tempo de carnaval

 

          Creio que a sobrevivência de carnaval, entre nós, se deve muito à evolução que ele vem apresentando, adaptando-se ou antes, atualizando-se ao tempo e às circunstâncias do momento que se vive. Não se precisa ser muito velho pára recordar os carnavais de outrora.
          Os pequenos blocos de foliões, de cara pintada, batendo os seus ganzás pelas ruas da cidade. Era como se fosse um carnaval particular para cada pequeno grupo. As pessoas se divertiam entre si, saiam às ruas para Ter espaço, não pretendiam dar espetáculo para ninguém. Em geral esses grupos eram formados por habitantes de um quarteirão ou pouco mais, conhecidos de sempre, e que a folia carnavalesca, umas garrafas de cerveja e uns vidros de lança-perfume, davam animação suficiente para que, desinibidos enfrentassem a rua, os passantes curiosos e até outros grupos rivais. As crianças faziam parte dos blocos.
          Me lembro até, certa vez, de uma mulher que descia, com seu grupo, a ladeira de Santa Teresa e, enquanto dançava e cantava, amamentava um filho pequeno. Esse tipo de carnaval - carnaval família - parece Ter desaparecido, pelo menos dos bairros da freguesia mais sofisticada.
          Para esses o carnaval é nos salões dos ricos, ou isolados em casas de campo ou praia, Angra, Búzios, Teresópolis, etc. A classe média é a que hoje parece menos carnavalesca. Na rua, não se arriscam. Os bailes são limitados. Quem pode se isola.
          Do modo como as coisas evoluíram, o carnaval carioca se divide entre dois tipos: os foliões e os espectadores. Para os foliões é a dança, as fantasias, a bebida, mas sobretudo o desfile das escolas de samba. A outra metade é formada pelo público - numerosíssimo - que, sem fantasia espera pacientemente a passagem da sua escola predileta. Aliás, também espera a passagem das não prediletas, só para conferir.
          Falando em escolas de samba, parece que atualmente elas chegaram ao apogeu. Os desfilantes são aos milheiros, tudo fantasiado, tudo de cara pintada são um exercito bem organizado, obediente aos apitos dos mestres e com grande espírito competitivo entre si. Especialmente impressionante tem sido o crescimento das escolas de samba. Todo ano se manifestam, cada vez mais poderosas, mais ricas, mais numerosas.
          Parece, o que não deve ser verdade, que mais da metade da população do Rio de Janeiro, está desfilando na Avenida. É difícil prever os progressos que ainda podem ser feitos nesses esquadrões disciplinados. O que admira é que ainda evoluam harmoniosamente, ocupando os seus espaços e disputando adesões.
          As pessoas mais pessimistas chegam a prever conflitos entre uma escola e outra. Conflitos que já se anunciam no dia gravíssimo da apuração, quando se decidem as campeãs. Vamos ver o que acontecerá este ano.
Engraçado, os carnavais de antigamente eram especialmente animados à tarde, quando as famílias saíam às ruas, os adultos sem fantasia, levando pela mão as crianças, vestidas de pierrô, de palhaços, de índios. Raramente os adultos se pintavam, mas pintavam-se as crianças, com grandes sobrancelhas e nas faces - não sei porque - um ponto de interrogação. Não se pode supor, muito menos afirmar, que o carnaval carioca esteja em declínio.

          O que ele é, é extremamente dinâmico e a cada ano apresenta uma face nova. O que será o deste ano, é uma interrogação para todos. Só se tem uma certeza. Vem o carnaval aí.

 

Rachel de Queiroz
Publicado no Diário do Vale
(Escritora e membro da Academia Brasileira de Letras)

 

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