Um brinde à vida

 

            O protocolo principal da religião judaica são os dez mandamentos de Moisés. O sexto desígnio – não matarás – foi adotado em sua plenitude por todas as civilizações não bárbaras, que se seguiram nestes mais de 3.300 anos contados desde a outorga divina a Moisés. A vida passou a ser tão preciosa para os seguidores da fé mosaica que qualquer transgressão é permitida quando o objetivo é salvar uma vida, com exceção ao assassinato, à idolatria e ao adultério.
            Ao povo judeu foi dada a incumbência de difundir os mandamentos para toda a Humanidade, e foi dentro deste espírito que, em nossos dias, um grupo de empresas lideradas pela Casa de Cultura de Israel , sediada em São Paulo , decidiu aceitar o convite da diretoria da Estação Primeira da Mangueira para uma parceria no carnaval e nas obras sociais da escola, em 2003 .
            O tema da escola será “Os Dez Mandamentos: O Samba da Paz Canta a Saga da Liberdade”, e o evento será assistido por mais de 200 mil presentes e retransmitido para 203 países.
            Enquanto isso, no outro lado do mundo, cenas dantescas de um atentado a um dos paraísos naturais mais cobiçados pelos turistas, a Ilha de Bali, retratam as mais de 180 vítimas de mais um irracional atentado terrorista. Aos fanáticos fundamentalistas pouco importa se entre as vítimas e desaparecidos estejam australianos, finlandeses, americanos ou até brasileiros. O importante para o terror é matar ou ferir, sempre com o maior número de vítimas possível. Eliminar os sonhos e manchar as lembranças. São verdadeiros monstros disfarçados de religiosos, que não se cansam de transformar a morte em troféu de suas vidas, deturpando uma religião fundamentada na ética e na moral.
            O mundo ocidental já havia assistido em 1972, durante as Olimpíadas de Munique, ao massacre dos 11 atletas israelenses, perpetrado por terroristas ligados ao movimento revolucionário palestino. Na ocasião era primeiro-ministro de Israel Golda Meir, que prometeu não descansar enquanto não eliminasse o último responsável por este massacre. Golda cumpriu sua palavra promovendo uma incansável busca e eliminação física dos culpados, nos quatro cantos do mundo.
            Passadas duas décadas, a tragédia se repete com a embaixada de Israel em Buenos Aires, que explodiu matando 29 inocentes e ferindo mais de uma centena de pessoas. Apenas dois anos se passaram e já em 1994 o mesmo grupo de terror implodia a sede da AMIA, a Associação Mutual Israelita da Argentina, matando 84 pessoas e ferindo mais de 330. O principal motivo da impunidade que se arrasta, há mais de uma década, pode ter sido estampado na capa do jornal americano “The New York Times”, ao revelar uma denúncia de que o ex-presidente Menen teria recebido a soma de 10 milhões de dólares, numa conta em banco suíço, para encobrir o envolvimento da embaixada do Irã na Argentina, nos dois atentados.
            Um recente alerta do famoso serviço secreto de Israel — o Mossad — repassado para os países limítrofes da tríplice fronteira (Brasil, Paraguai e Argentina) dá conta de uma inusitada movimentação de grupos terroristas com possível plano para perpetrar um atentado de vulto em um dos três países. Ignora-se quais as providências tomadas, mas, se seguirmos a lição americana, é preferível prevenir do que remediar. Os Estados Unidos acreditaram que a sua superioridade militar lhes garantiria uma inviolabilidade mundial e até o momento estão à procura de Osama bin Laden, do Mulah Omar, dos autores dos atentados por Antrax e finalmente na caça ao hollywoodiano serial killer que já matou mais de dez pessoas nos arredores da capital americana.
            Devemos estar atentos para a evolução desses atentados em massa e para a punição aos responsáveis, a fim de que amanhã não sirvam como motivo justo para uma invasão das grandes potências mundiais aos países financiadores do terror como o Iraque e o Irã, o que fatalmente arrastará o mundo para um novo e indesejável patamar de violência, morte e destruição. Certamente não é este o mundo que desejamos legar aos nossos descendentes.
            Qualquer que seja o amanhã da nossa civilização, devemos seguir o exemplo do povo judeu na valorização do ser humano e no repúdio aos que desprezam a paz, fazendo o tradicional brinde à vida !

 

Osias Wurman
publicado no Jornal O Globo em janeiro de 2003
(É jornalista)

 

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