Área de preservação cultural

 
          Era um belo dia de sol. Andava tranqüilamente, com o olhar distraído entre uma interminável seqüência de edifícios, quando surgiu diante de meus olhos um bucólico bosque florido. Ali, perdido na cidade, sufocado pelos gases poluentes, o verde se mostrava em suas nuances mais espetaculares. Algumas poucas pessoas circulavam por sob as largas copas das árvores. Respiravam profundamente e expiravam as agitações do mundo moderno. Fincada na única entrada, uma pequena placa de madeira ocupava lugar destacado, exibindo para todos a frase "Área de Proteção Ambiental".
          Meus conhecimentos botânicos são incapazes de diferenciar uma jabuticabeira de uma jaqueira. O máximo que meu discernimento permite, e assim mesmo após um longo tempo de análise, é distinguir uma amendoeira de uma mangueira, o que qualquer um que tenha experimentado os prazeres da infância no subúrbio carioca tem - ou menos tinha - a obrigação de fazer. Se aquele lugar, belo sem dúvida, não era para mim mais que um bosque verde, chamava-me a atenção a convivência pacífica da exuberante vegetação com o passeio descompromissado das pessoas. Como pode conviver a beleza do verde com a ação predatória do ser humano, que por onde passa costuma deixar seu rastro de destruição? Naquele pequeno recanto, entretanto, conviviam harmoniosamente.
          Acredito ser assim que se organiza o chamado "turismo ecológico". Os visitantes e o meio-abiente precisam apresentar harmonia semelhante àquele pequeno bosque verde. A destruição das plantas e a poluição dos rios inevitavelmente destruiriam a "atração", de forma que os próprios turistas não mais retornariam. A preservação ambiental, então, é ao mesmo tempo uma forma de preservar o meio-ambiente e também a própria atividade turística.
          O "turismo ecológico", se bem exercido e administrado, alia os interesses comerciais e ambientais. O lucro obtido com os visitantes é usado na própria manutenção da área. Evidentemente, um bosque verde pode ser fechado e preservado da mesma forma. Ao se negar o uso da atividade comercial para a garantir a preservação, a vegetação, livre da ação humana, nascerá e morrerá, e especificamente no caso do bosque que me surpreendeu, encravado entre edifícios cada vez mais altos. As plantas permanecerão ali, imóveis e intocadas, mas com sua exuberância egoistamente escondida de nossos olhares.
          Assim deveria orientar-se também o "turismo cultural". Se no "turismo ecológico" a atividade se fundamenta no meio-ambiente, no cultural o que motiva os visitantes são as pessoas desenvolvendo suas práticas culturais específicas. Enquanto no primeiro caso o turista quer ver as belezas naturais, no segundo ele pretende conhecer a produção peculiar de um grupo de pessoas interagindo, podendo ser uma festa, uma procissão ou um grande desfile carnavalesco.
          No "turismo cultural" o interesse comercial também pode - e deve - conviver de forma harmoniosa com a manifestação cultural, que é a razão principal da própria atividade. Turistas e população local estão atados numa relação de complementariedade, não de excludência. Direcionar as atenções do carnaval apenas para o turista é uma atividade predatória, da mesma forma que fosse permitido a cada visitante do belo bosque verde arrancar uma planta ou cortar uma árvore. Assim como não faz sentido o "turismo ecológico" numa área devastada, não existe o "turismo cultural" numa festa sem povo. Ignorar a importância da participação popular no carnaval é a mesma coisa que acreditar que rios e plantas são acessórios do "turismo ecológico".
          No carnaval o interesse comercial é indispensável. Não podemos, como a vegetação, isolar a população e perpetuar a manifestação cultural. Pessoas não são árvores, têm gostos, prazeres, interesses e estão constantemente sofrendo influência. As fronteiras que demarcam os altos prédios do bucólico bosque verde jamais demarcariam uma "ilha das escolas de samba" perdida num oceano de outras manifestações.
          A queda no interesse da população pelas escolas de samba é gritante. As "árvores estão sendo cortadas" enquanto os responsáveis entendem que agir comercialmente é predatoriamente atender apenas aos interesses das agências de viagem, aumentar o preço dos ingressos e tratar o espetáculo simplesmente como "show busines". Agir comercialmente é fundamental, mas de acordo com o que podemos definir aqui também como "desenvolvimento sustentável".
          Que se ponha logo na entrada do sambódromo a placa de "Área de Preservação Cultural".

Fábio Pavão
(Fábio Pavão é pesquisador de Carnaval e o editor de conteúdo da Home Page da G.R.E.S. Portela)
Publicado originalmente na lista de discussão Planeta Samba em 17 de janeiro de 2003

 

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