Cadê as contas das escolas de samba?

            Uma grande escola de samba do Rio tem várias fontes de renda: subvenção da prefeitura, direitos de imagem, venda de ingressos, vendas do CD de sambas-enredo são algumas. Em alguns casos, como no da Mangueira, a escola é institucionalmente patrocinada, independentemente do enredo escolhido. As empresas estão lá, promovendo parcerias, ajudando em projetos bem-sucedidos como a Vila Olímpica, e ainda assim no carnaval a verde-e-rosa pode ir buscar um patrocinador para seu enredo, como aconteceu recentemente quando a Manga cantou o Nordeste, ou neste 2005, no enredo sobre a energia.
          Escolas que têm suas quadras cheias durante vários meses do ano também faturam um bom dinheiro. A bela sede do Salgueiro na Rua Silva Teles, por exemplo, comporta cerca de 5 mil pessoas. Os ingressos para um ensaio lá, na época do carnaval, saem por R$ 20, isso sem contar os milhares de litros de cerveja, água e refrigerantes vendidos. O mesmo vale para a maioria das quadras das escolas do Grupo Especial e algumas dos outros grupos.
          Por que, então, as grandes escolas do carnaval carioca precisam tanto de patrocinadores? Quanto se gasta em um carnaval? O modesto Império Serrano anunciou recentemente que seu desfile sairá por cerca de R$ 1,5 milhão, sem patrocinador — e a quadra da escola da Serrinha, embora receba um bom público, não cobra tão caro pela entrada quanto algumas das coirmãs , principalmente as localizadas mais perto da Zona Sul. Se uma das escolas que têm disputado o título ultimamente — Beija-Flor, Mangueira, Imperatriz Leopoldinense, Viradouro — gasta, hipoteticamente, o dobro (R$ 3 milhões, exatamente o valor anunciado pelo presidente da Imperatriz, Wagner Araújo, para seu desfile), é realmente necessário um patrocinador? Uma máquina como essas não é capaz de gerar essa quantia, no espaço de um ano? Por que será que o governo municipal, que apregoa a austeridade e a transparência, não pede uma prestação de contas a cada escola?
          Dois casos em 2005 foram sintomáticos: a Imperatriz perdeu parte do patrocínio a que teria do governo da Dinamarca (sim, as escolas são sofisticadas em matéria de captação de recursos) e a Beija-Flor, na última hora, não conseguiu a ajuda inicialmente combinada com empresas gaúchas (a escola de Ramos fala sobre as fábulas do dinamarquês Hans Christian Andersen e a bicampeã do carnaval conta a história gaúcha dos Sete Povos das Missões).
          Representantes das duas escolas foram à mídia lamentar a perda do dinheiro (sem muita ênfase), mas as duas confirmaram que o carnaval será exatamente o que havia sido planejado se os recursos viessem. Ou seja, elas têm o dinheiro, mas podendo arrumar quem invista, por que não? Nem que, para isso, submetam-se ao ridículo que é o samba-enredo da Grande Rio, que cita nominalmente produtos de seu patrocinador — que, por sua vez, também patrocina o desfile, em uma relação no mínimo duvidosa, mais ou menos como se um dos estúdios de Hollywood fosse o patrocinador da festa do Oscar.
          Por outro lado, já que o dinheiro sobra, que tal investi-lo (ou abrir mão de alguma parte dele) em prol do espetáculo? Suponhamos que o dinheiro captado pelas escolas em todas as suas fontes vá para as agremiações e seus desfiles, que não exista nenhum buraco negro e que tudo seja justificado.
          Já que é assim, que tal tentar atrair o carioca para o Sambódromo — como ele foi nos ensaios técnicos e vibrou com escolas sem fantasias ou alegorias, apenas componentes, samba e bateria? Que tal um combate mais sério e efetivo aos cambistas? Que tal destinar aos turistas os setores mais caros e chamar os cariocas para arquibancadas como as dos setores 3, 5 e 11, além das localizadas na Praça da Apoteose, de onde mal se enxerga?
          E as escolas dos Grupos de Acesso A e B? Agremiações tradicionais como a Estácio de Sá, a União da Ilha do Governador, a Unidos do Jacarezinho e a Império da Tijuca sempre reclamam da subvenção mínima que recebem, que, somada aos ingressos, à TV e aos patrocínios, geralmente não totaliza o suficiente para um bom desfile.
          As grandes escolas caminham sozinhas. Quem precisa de patrocínio e apoio de natureza diversa são as agremiações menores. Além de ingressos baratos, os desfiles de sábado (grupo A) e terça (B, quando o Sambódromo costuma ficar às moscas) necessitam de propaganda e fácil acesso aos ingressos, para que a população saiba por quanto e como pode ir assisti-las. Geograficamente, Mangueira e Tuiuti são morros vizinhos. Segundo a divisão desigual das escolas de samba do Rio, uma fica a anos-luz da outra.

Bernardo Araújo é jornalista
(Publicado originalmente na seção opinião do Jornal O Globo em
30 de janeiro de 2005)

 

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