O bloco dos fora-da-lei

 
          Há certas páginas da História que, ao contrário do que todos esperam, voltam a assombrar a nossa tranqüilidade ao serem novamente reviradas.
          Um velho inimigo da sociedade continua bem vivo e ensaia, anualmente, seus vôos para manter prestígio e poder, situação decepcionante para os que viveram de perto a difícil e angustiosa tarefa de vencê-lo.
          A cada verão carioca, o país inteiro assiste pela televisão ao maravilhoso desfile na passarela do samba, não só dos artistas do espetáculo, mas de notórios bicheiros já condenados pela Justiça e que, de maneira arrogante, desfilam na pista e empunham os troféus da folia como um libelo da impunidade.
          Este ano o bloco dos fora-da-lei homenageou dois patronos da escola de samba vermelha-e-branca que morreram ano passado: o bicheiro-pai, por questões de saúde depois de atribulada vida na contravenção; e o bicheiro-filho, jovem herdeiro do dinheiro sujo, assassinado na guerra pelos pontos da jogatina, um crime ainda sem autor.
          Não bastasse essa descarada apologia ao crime, um discurso no sambódromo saudou outro contraventor, hoje foragido de uma condenação a nove anos de prisão por corrupção de policiais e autoridades públicas. Na verdade, outra apologia a criminoso.
          A luta para erradicar esses bicheiros da vida carioca não foi fácil. Através do poder financeiro que o jogo lhes propiciou, estenderam seu braço armado às atividades criminosas graves e rentáveis. Envolveram-se com o tráfico de drogas, como financiadores das operações e lavadores de dinheiro sujo.
          Logo, estavam freqüentando os gabinetes oficiais, apoiando candidaturas e procurando conquistar o poder político por intermédio de parlamentares, alguns até já cassados.
          Desmontar esse esquema exigiu decisão política e iniciativa de instituições comprometidas com a luta por justiça, como o Ministério Público, hoje uma trincheira na guerra contra a impunidade no país.
          Como no carnaval e, em determinada época, também no futebol, nos últimos anos, os tentáculos dessa máquina criminosa tomaram de assalto os jogos de azar do país, estabelecendo um regime de cosa nostra na exploração dos viciados caça-níqueis, motivo de uma interminável guerra sangrenta nos subúrbios cariocas.
          Atrás das simpáticas senhoras que saúdam os bingos na esperança de um dinheiro extra para melhorar a qualidade de vida, está a lavagem do dinheiro sujo das atividades criminosas, da prática da sonegação fiscal e da violenta ação das quadrilhas mafiosas que praticam a extorsão policial, tudo em nome da farsa de se ajudar o esporte amador nacional.
          São muitos os exemplos de que a exploração dos bingos e das máquinas caça-níqueis não é uma atividade honesta. Só falta, agora, uma lei definitiva que proíba esses jogos de azar que atualmente são gerenciados pelo crime muito bem organizado.
          Quanto aos bicheiros reunidos no bloco dos fora-da-lei, cabe à sociedade e à Justiça darem um basta nessa vergonhosa apologia aos criminosos, que se repete a cada carnaval carioca e que merece o repúdio de todos nós, integrantes do bloco das pessoas-do-bem.

Antônio Carlos Biscaia é deputado federal (PT/RJ)
(Publicado originalmente na seção Opinião do Jornal O Globo em 10 de fevereiro de 2005)

 

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