Nos braços de Momo

 
          SEI MUITO BEM QUE NINGUÉM QUER pensar em outra coisa a não ser em carnaval. Daqui a pouco a Mocidade entra na avenida e tudo que foi dito até então perde importância. “O molho tá na consciência”, garante o samba-enredo “Buon mangiare, Mocidade. A arte está na mesa”, que deve falar de comida italiana. Ou não. “Pra Itália, aquele abraço”, diz também o samba. Talvez a escola vá apresentar uma visão mais ampla da mesa italiana. Ou não. De qualquer modo, apesar da soberania carnavalesca, alguns assuntos tratados recentemente por esta coluna ficaram pendentes e não custa nada botá-los em dia. Mesmo durante o animado tríduo momesco.
          Por exemplo, a insistência com que a presidente da Fundação Theatro Municipal, Helena Severo, usa a tradição para determinar que o teatro mais bonito da cidade deve abrigar somente espetáculos de ópera, dança e orquestra. Pois muita gente se lembra que, até no tempo em que a programação do Municipal era muito mais vibrante, outras artes ocuparam seu palco. O carioquíssimo Carlos Leonam faz uma relação de shows que passaram por lá:
          “Ray Charles, Ravi Shankar, Modern Jazz Quartet e Miles Davis também tocaram no Teatro Municipal do Rio e a cultura carioca não ficou aleijada por isso. Muito pelo contrário.”
          Quer dizer, para citar estes tempos de folia, ninguém está pedindo de volta o baile de carnaval no Municipal. Mas um showzinho da Diana Krall não custava nada.
          Quando era secretária municipal de Cultura, dona Helena Severo foi atrás do Madredeus, que ameaçava fazer show só em São Paulo, e ofereceu o Teatro Carlos Gomes. O grupo português fez um show lindo na Praça Tiradentes. Mas agora o Carlos Gomes é espaço exclusivo de grandes musicais. E a gente acabou janeiro sem nenhum espetáculo no Municipal, nenhum musical no Carlos Gomes e Diana Krall não tocando aqui porque não há espaços na cidade. Qual é a lógica?
          O correio eletrônico não me deixa esquecer que é carnaval. O e-mail que chega é bem exótico: “Ingressos para carnaval de São Paulo estão quase esgotados”, alardeia a mensagem. Pelo jeito, vou perder de novo a folia paulistana. Depois, o e-mail explica que restam pouquíssimos ingressos para o sambódromo da Paulicéia na sexta-feira e que para o desfile de sábado só sobram 10% dos ingressos. Já perdi. Mas como é que é? Sambódromo na sexta e no sábado? O carnaval de verdade começa hoje e o carnaval de São Paulo acabou ontem? É ou não é uma cidade estranha?
          Voltemos aos assuntos pendentes. Relacionamos aqui, no domingo passado, os filmes que ganharam mais Oscars em toda a História, “Titanic” e “Ben Hur”, com 11 estatuetas cada um. Pois metade dos 17 leitores desta coluna — 8,5 leitores, portanto — me lembram que, no ano passado, “O Senhor dos Anéis” igualou este recorde.
          Mas é carnaval e chegam notícias da produção do camarote Expresso 2222, na Bahia. Este ano, o... humm... espaço abrigará “jam sessions com grandes nomes da música nacional”, como informa o release do ... hummm... evento. Assim, entre um trio elétrico e outro, os privilegiados ocupantes do Expresso 2222 poderão assistir a um showzinho da dupla Luciana Mello e Adelmo Cazé! Não é tudo que você queria? O release informa ainda que o carnaval do Expresso 2222 terá 15 mil unidades de pães diversos, uma tonelada de frios, três toneladas de massas e 120 mil unidades de cocadinhas e abará. Tamborim que é bom, nem pensar.

Artur Xexéo
(Publicado originalmente na Revista O Globo em 06 de fevereiro de 2005)

 

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