Portela - a voz que não se cala

 

          A Portela, ainda que fruto de uma comunidade pobre, está longe de corresponder ao estereótipo da imagem morro/samba - e não se vê nisso qualidade ou defeito, apenas um fato.  Ao contrário: parece indicar, aparentemente, ser, talvez, a escola de samba mais vulnerável às influências da cultura de massa, ou, de acordo com especialistas e teóricos do assunto, do asfalto.
          Por outro lado - e talvez por isso mesmo - é a escola de samba que mais resiste e insiste em defender a cultura nacional e, especialmente, a cultura do samba.
          É a que apresentou mais enredos inspirados em obras da Literatura Brasileira, num trabalho de divulgação de leitura, obras e autores, com a dinâmica que só um desfile pode proporcionar. O Tronco do Ipê, de José de Alencar;  Memórias de um Sargento de Milícias, de Manuel Antônio de Almeida; Pasárgada, o amigo do Rei, poema de Manuel Bandeira; Macunaíma, romance-rapsódia de Mário de Andrade; Adelaide, a pomba da paz, poema de Walmir Ayala, transformado em livro infanto-juvenil.
          Não faz concessões a elementos estranhos à sua história e seus compositores mais representativos costumam divulgar o chamado samba de raiz, partidos altos e sambas melodiosos cultivados nos famosos Pagodes da Tia Doca, no Cafofo da Surica, nas apresentações de Noca da Portela, Monarco e, sobretudo, da Velha Guarda da Portela.
          O espetáculo apresentado na avenida é a culminância de uma das faces de uma escola de samba.  É o resultado de um esforço da coletividade, uma usina de emoções.
          E para isso, a Portela foi fundamental: atravessou a década de 40 ganhando carnavais  e solidificando a estrutura da escola de samba como conhecemos hoje.  E, sobretudo, divulgando uma cultura marginal, que vai, aos poucos, ganhando expressão até tornar-se o ela de identidade do que vem a ser o "ser brasileiro".
          A Portela, campeoníssima da década, recebe reis, divulga o canto e a dança de negros pobres - o que chega a ser um redundância tal expressão - e tem em Paulo da Portela o embaixador ideal.
          Mostrando a sua cara, a Portela abre as portas para todas as escolas  Pioneira até nisso, no trabalho de valorização de uma cultura excluída pela sociedade e da auto-estima do negro, não deixa de ensinar que a universalização pressupõe sua particularidade.  O Estado e sua propaganda até podem ter algum controle sobre as normas do espetáculo (desde a oficialização das disputas), mas a alma de uma escola de samba é, antes de tudo, compromisso, paixão, é o encontro do povo com a sua verdade.
          Paulo Benjamim de Oliveira jamais deixou de amar esse mundo azul e branco, mesmo quando esteve afastado - porque não se afastara dessa verdade.  Tanto amor, um coração mortal não suporta. Só os semideuses, senhores e sabedores do incomensurável, transitam no limite da imortalidade: a generosidade de Paulo personificou-se em sua obra - G.R.E.S. PORTELA.  Só os senhores do Tempo engendram mundos.
          E a Portela resiste.
          Resiste através de jovens cantores/compositores como Teresa Cristina e Grupo Semente, Dorina, Marquinhos de Osvaldo Cruz, Mauro Diniz, Cristina Buarque de Holanda, Márcia Duarte, Marisa Monte e Zeca PAGODINHO. É uma geração que assumiu a responsabilidade de continuar o legado de Paulo da Portela, Caetano, Rufino, Natal, Candeia, Chico Santana, Mancéa, Mijinha, Heitor do Prazeres, Alcides Malandro Histórico da Portela, Jabolô, Catoni, Clara Nunes, Tia Vicentina e tantos outros, famosos e anônimos, arrebatados ou calados.
          Salve a Portela,parabéns para nós.
          Contos de Areia.

"Se for falar da Portela
Hoje eu não vou terminar..."

Rogério Rodrigues Santos
(Publicado na lista Planta Samba em 11/04/2000)

 

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