G.R.E.S.Unidos da Tijuca
O sonho da criação e a criação do sonho:
A arte da ciência no tempo do impossível

 

O Enredo no Samba: Estrutura discursiva

          Embora o carnavalesco tenha feito, no enredo, uma perfeita divisão cronológica, discorrendo sobre as conquistas científicas do século III a. C. aos dias atuais, o samba enfatiza nominalmente apenas um dos períodos, o Renascimento, para reverendar o tempo em que viveu o visionário artista-cientista Leonardo da Vinci, personagem importante da História presente no enredo.
          Sem nomear as invenções e conquistas da Ciência, o que tornaria a composição pesada e enfadonha, os compositores conseguiram resumir com bastante precisão os fatos principais do enredo com palavras e expressões simples, com as quais facilmente são feitas associações que nos remetem a tais inventos e progressos científicos.

O Samba no Enredo: Estrutura lingüística

          O samba-enredo tem como condutor do enredo um narrador em 1a. pessoa do singular que, ao embarcar na “máquina do tempo”, viaja e revive as descobertas marcantes da Ciência. O emprego da 1a. pessoa é recurso bastante eficaz em samba-enredo, tendo como função discursiva inserir o desfilante e o espectador no tema, pois ao cantarem passam a ser narradores, contando e vivendo os fatos.
          Há predominância da formalidade gramatical, com a abundância de complementos verbais (“Com a Tijuca te levar...”, “Superar os limites do homem”, “Brincar de Deus, criar a vida”, “...pra vencer o mal”) e adjuntos adverbiais (“Nessa máquina do tempo eu vou / Vou viajar... Com a Tijuca te levar à era do Renascimento”, “Querer chegar à perfeição / com tecnologia”, Na arte da ciência a busca continua”, “E no vai-e-vem dessa história”, “Pro futuro viajar, eu vou”) e o correto emprego da crase (“À era do Renascimento”, “Querer chegar à perfeição”). O samba também traz o coloquialismo próprio de textos orais, a redução vocabular: “Na luta incessante pra vencer o mal” e “Pro futuro viajar, eu vou”.
          A letra contém palavras isoladas, separadas por vírgulas, mas que portam grande carga semântica, visto resumirem o que teria de ser dito por meio de frases extensas: “Desejos, transformação / acreditar, desafiar” e “Profecia, loucura, magia”
          Os autores do samba conseguiram mexer com o orgulho do tijucano, no segundo refrão, ao darem o mesmo peso, a mesma importância ao sonho da Escola de se sagrar campeã do carnaval. Depois de mostrarem, de forma implícita,  os sonhos científicos conquistados, clamam pelo sonho de toda agremiação carnavalesca: a conquista do campeonato.
          Fatos do enredo implícitos no vocabulário do samba:

  • “Brincar de Deus, criar a vida” = referência ao personagem Frankenstein e à ovelha Dolly.

  • “A vontade de explorar / A lua, a terra e o mar” = aeronaves espaciais, veículos terrestres e submarinos.

  • “Na luta incessante pra vencer o mal” = a prevenção e cura de doenças, as experiências genéticas.

          Com muita habilidade, os autores enfatizaram a palavra-chave do enredo: sonho. O sonho da fantasia, da ilusão, do delírio, do desatino. O sonho do desejo, da aspiração. O sonho da conquista, da vitória.
          O mais notável neste samba, contudo, focaliza-se no incomum e intensivo emprego de verbos no infinitivo, que atemporalizam as ações da narrativa (levar, acreditar, desafiar, superar, brincar, criar, voar, flutuar, sonhar, chegar, vencer, ser, explorar, viajar, desvendar, lutar). Esta forma nominal verbal ao mesmo tempo em que pode indicar fatos passados, indicam também fatos do presente e do futuro.
          Tal arranjo vocabular foi um  inteligente recurso dos compositores para dar ênfase a outra palavra-chave do enredo: tempo. O tempo de todos os períodos históricos da humanidade. O tempo do sonho, tornado real pelos cientistas e suas obras geniais. O tempo de querer e  de acreditar.

Bibliografia:

  1. “Enredos – Rio Carnaval 2004” , da LIESA.
  2. “Carnaval – Seis Milęnios de História”, Hiram Araújo.
  3. “Para Tudo Não Se Acabar Na Quarta-Feira – A Linguagem do Samba-Enredo” – Julio Cesar Farias

Julio Cesar Farias
(Publicado em 04/11/2003)

 

Artigo-176
Artigos