Reconhecendo São Paulo como Túmulo do Samba em seu 450 anos

 

Resumo:

          O artigo sugere uma reflexão a respeito do crescimento e da visibilidade do Carnaval Paulistano, a partir dos desfiles das Escolas de Samba no Pólo Cultural Grande Otelo, mais conhecido como Sambódromo do Anhembi. O acompanhamento detalhado dos preparativos e da realização do carnaval dos 450 de São Paulo permitiu ao autor uma compreensão mais crítica do processo de desperdício cultural, que vem marcando o mau uso do Sambódromo. Diante da fragilidade política das entidades carnavalescas, discute-se a pertinência das escolas de samba terem edificado no Anhembi um verdadeiro Túmulo do Samba. Seria o cumprimento de uma profecia para escamotear toda identidade do samba paulista? Para reforçar essa hipótese, a segunda metade do texto é dedicada a discussão das torcidas organizadas como renovadoras do carnaval paulistano. O ano de 2004 acabou sendo muito representativo para demonstrar novas tendências do carnaval diretamente vinculadas a competitividade esportiva. Avaliar o papel dessas tendências é um desafio para nossa leitura.

Artigo:

          O pensamento mercantil e o pensamento acadêmico têm produzido, a respeito da autêntica produção cultural brasileira, máximas tão semelhantes, que um olhar autocrítico sobre nosso próprio pensamento quase nos convence de nossa total inadequação. Há consensos no ar; e sua presença é mais perigosa e ostensiva do que átomos de um gás venosos. Há tanta repetição de idéias, que nos dá a impressão de que uma dose minoritária de oxigênio possa ser letal! Eis a metáfora da sobrevivência pensante além do óbvio ululante.
          Agora, que o Carnaval de 2004 já vai ficando distante, percebe-se que a grande homenagem feita pelas Escolas de Samba paulistanas – 24 no total, juntando os 2 grupos de elite – durante os dias de Momo, não passou de uma efemeridade, como sempre, fadada a abdicar de qualquer memória substancial. Alguém, por algum motivo, aproveita o pretexto dos 450 anos de aniversário de São Paulo para padronizar os enredos específicos das agremiações responsáveis pelo principal desfile desse Carnaval. E na medida que a visibilidade das transmissões do Sistema Globo noticia essa intenção, o pretexto ganha matizes de planejamento; e os discursos – molas da hipnose – cuidam de comprovar a tese de Maria Isaura Pereira de Queiroz de que o Carnaval, desde muito se tornou uma festa da ordem estabelecida; muito embora anuncie um mito de integração sócio-cultural, além de todas as ordens.
          Declaram os pensadores capazes de dispensar o pensamento de seus ouvintes: 1- A Festa dos 450 anos, no Sambódromo, foi uma explosão de rara beleza e uma evidência de que o Carnaval paulistano se supera a cada ano (Radio Jovem Pan); 2 - Quem nunca viu o desfile no Pólo Cultural, não imagina o quanto ainda se pratica aqui o verdadeiro samba de raiz (TV Cultura, transmitindo o desfile do Grupo de Acesso, ao vivo); 3- Será o maior Carnaval que São Paulo já viu e mesmo com a restrição de recursos, não faltará brilho, luxo e empolgação. Ainda mais porque o desfile das Campeãs será substituído pelo torneio da Apoteose, mais livre, cultural e representativo das Comemorações dos 450 anos. (Coletiva de Imprensa realizada pela Liga das Escolas de samba, dois dias antes do desfile). Só não existiu, nessas declarações, qualquer menção à Política Cultural para o universo do samba paulista no decorrer de 2004. Afinal, na maior parte do ano jubileu o Carnaval que estará em jogo é o de 2005. Da mesma maneira que o jogo da política oficial não conseguirá esconder os motivos eleitorais dos propalados 450 anos da cidade.
          Acompanhamos, ao longo desses dois primeiros meses do ano, toda movimentação pré-carnavalesca do desfiles sob a responsabilidade da Anhembi Turismo e Eventos, empresa responsável por toda logística – infra-estrutura material, financeira e humana – para a realização da festa na cidade, dentro e fora do Pólo Cultural Grande Otelo (popularmente chamado de Sambódromo do Anhembi). E esse trabalho de campo deu-se pelo desenvolvimento de uma das etapas da pesquisa Espacialidade Carnavalesca Metropolitana, sob a supervisão do Prof. Dr. Américo Pellegrini, na linha do Turismo Cultural. O que nos permitiu um olhar mais afinado sobre uma das frases mais ilusionistas do Carnaval Brasileiro: Isso tudo é produto de um ano inteiro de trabalho por amor ao samba e a folia. Mais uma declaração válida apenas para alguns casos individuais; porém distante da realidade das entidades e suas organizações associativas[2].
          Ocorre que esse trabalho de ano inteiro é realizado efetivamente no ritmo intermitente do ultimato. Ledo engano imaginar que exista uma rotina cotidiana de trabalho por todos os setores de uma Escola de Samba, no decorrer de 365 dias do ano. O que existe sim, são prazos públicos, adiáveis ou não conforme o poder do contratante (Prefeitura, Mídia, empresas que financiaram a festa, etc) e a emergência de situações de risco, como uma execução judicial. O trabalho de planejamento estratégico capaz de operacionalizar uma Política Cultural para e com as Agremiações Carnavalescas é absolutamente nulo.
          Portanto, é neste sentido que compreendemos, na contra-corrente das declarações que não acrescenta nada ao atual estado de coisas – além de retórica vazia e saudosismo – que a constatação de Vinícius de Moraes foi primorosa e profética. SÃO PAULO É O TÚMULO DO SAMBA. Isto é, contrariando o papel gerencial da metrópole em vários setores sócio-culturais, a realização do Carnaval aqui é uma manifestação de marginalização, morte e ressurreição. O samba, em Sampa, pode ficar morto e sepultado, na parte do tempo e dos órgãos de poder. Pode até permanecer à margem de qualquer Política Cultural substantiva (que inclui urbanismo, educação, emprego e turismo). Mas tal qual fênix – um Novo Quilombo de Zumbi, anunciado por Caetano Veloso – ele surge como um espetáculo, milagroso e surpreendente, porém incapaz de sobreviver mais tempo do que lhe fora destinado.
          Por isso questionamos às lideranças das entidades que administram o Samba e o Carnaval: Qual a programação de eventos da cultura negra ou carnavalesca, no ano de 2004, para o Sambódromo?Ou simplesmente, nesses treze anos de existência quantos projetos ligados ao samba ou ao Carnaval viabilizaram no Sambódromo um autêntico pólo cultural?  Nenhuma programação (a não ser esparsas intenções); nenhum projeto em andamento (somente pré-projetos e iniciativas que ficaram pelo caminho...). Se uma metrópole como São Paulo não possui uma Política Cultural para o Carnaval e sua Entidades, e consegue realizar uma Festa, de escala nacional, na base do improviso e do em cima da hora, sem nenhum compromisso com o futuro, não há como manter qualquer desprezo a revelação maior do Poeta. São Paulo é mesmo o Túmulo do Samba e caminha, a passos largos enterrar seus mestres como indigentes.

Sambódromo ou Sambónecro?

          O pensamento crítico muitas vezes só se revela na inversão de suas destinações. Geraldo Filme, sambista de primeira grandeza e estudioso desse universo marginal, cristalizou uma dessas revelações na composição em homenagem a Pato N'água, por ocasião de sua morte. Morreu/ Não tem placa de bronze, não fica na História/ Sambista sem nome morre sem glória/ o apito de Pato N'água emudeceu. Dizem os versos do compositor - que também lhe serviram, quando de seu falecimento, nos anos 90 – sobre uma realidade mortalmente presente em todo universo das escolas de Samba Paulistanas. Todas são um espectro contemporâneo de apitadores (comandantes de baterias) ímpares como Pato N'água. Todas, a sua maneira, carregam a maestria de carnavalizar a cultura do samba e a ingenuidade de não saber como politizar essa mesma cultura.
          Esse desequilíbrio entre o fazer e o administrar fica evidente na incapacidade – até aqui – sobre o que fazer com a conquista territorial do espaço definitivo para os desfiles. O Sambódromo, após o Carnaval e durante a maior parte do ano, torna-se um mero Sambónecro. Um místico lugar de lembranças, onde, se tudo der certo e Deus ajudar, revitalizar-se-á a infra-estrutura dos próximos desfiles. Pena que tal misticismo se reduza a algumas lideranças, que mesmo diante das homenagens a São Paulo, não conseguem negociar a constituição mínima de um Projeto Cultural para a metrópole.
          Questionemos à Mocidade Alegre (campeã do Carnaval dos 450 anos), no final do ano, que vantagens sócio-culturais esta agremiação conquistou capitaneando esse título tão estratégico. Tomara estejamos enganados, mas a resposta efetiva tende a ser: Nenhuma! E por que? Porque até a realização dos eventos, não constatamos nenhuma mobilização administrativa das entidades e organizações, que fosse além do velho apagar incêndios: negociar dívidas, fazer as coisas para ontem e correr atrás dos prejuízos.
          O final da entrevista coletiva da Liga das Escolas de Samba, o diretor presidente Robson de Oliveira, lamentava a ausência absoluta da iniciativa privada no financiamento do Carnaval e admitia aos jornalistas dos principais veículos: temos um saldo negativo de mais de dois milhões de reais para esse Carnaval, mas acreditamos que tudo será resolvido a contento geral, sem tirar o brilho da festa.  São declarações compatíveis com aquelas retóricas que costumamos ouvir dos ministros da Fazenda. Mas uma diferença estrutural é gritante: as dívidas bilhonárias do país são tratadas como públicas e oficiais. No mundo do Samba lucros ou prejuízos, são marginalmente tratados como concessão à informalidade. É como se a Cidade, através de seus cidadãos (de primeira classe, obviamente) ironizasse: devemos mais alguma coisa a essas 84 agremiações (da Liga e da Uesp) que já não tenhamos pago, autorizando homenagem?
          O Sambónecro, resultante dessa mentalidade, não responde nem a competitividade neo-liberal (como sambódromo) nem a intencionalidade política de associar múltiplos eventos culturais (conforme a designação do Pólo Grande Otelo). O mundo do samba faz assim um espetáculo fúnebre; misto de curiosidade e exclusão. Independente da qualidade artística e folclórica e as diferentes maneiras de modernizá-las – incorporando traços dos desfiles cariocas, acelerando a evolução da escola e a batida da bateria, priorizando o visual e televisivo – concebe-se aqui que o depois da festa, no vazio da política cultural, é violentamente mais terrível que qualquer deturpação feita durante ela.
          O paradoxo dessa evidência, encontra-se num ato/discurso de resignação. De um lado, os baluartes do samba, como Seo Nenê (patrono da Escola que utiliza sua alcunha), justificam: para quem apanhava nas ruas como criminoso, só por fazer samba, os dias de hoje (após a oficialização de 1968 e de Sambódromo[3]) são maravilhosos demais!
          De outro lado, temos um comportamento de subserviência das lideranças carnavalescas, as quais submetem as Escolas e suas associações representativas a uma constante política de panos quentes e de submissão aos interesses alheios. O que reduz quase a nulidade aquela idéia de que a Escola (principalmente as tradicionais, do grupo de elite) expresse um núcleo de resistência cultural efetiva. Em nome da sobrevivência e do reconhecimento coletivo da entidade, todo tipo de concessão acaba sendo feito e assumido como uma decisão consensual. E para justificar tal evidência não faltam exemplos: redução do tempo de desfile ou modificação dos dias (atualmente sexta-feira e sábado) por conta dos interesses de transmissão; multiplicação de regras antidemocráticas nos regulamentos, visando impedir quaisquer contestações; organização de toda dinâmica carnavalesca em função do local do desfile, tornando os ensaios técnicos no Pólo Cultural, cada vez mais importantes que aqueles realizados pelas ruas da comunidade de bairro.
          Uma recente demonstração dessa subserviência foi efetuada por um ofício emitido pela Prefeitura de São Paulo que solicitava ao presidente da Liga, o direito de uma campanha contra a dengue, na forma de Bloco Carnavalesco, se apresentar para a abertura dos desfiles do Grupo Especial nos dias 20 e 21 de fevereiro. O ofício datado de 13/02, foi apresentado aos jornalistas em 18/02 como uma decisão automática ao justo pedido da Prefeitura. O que não se mencionou, é que nas tradições da cultura negra, que as Escolas paulistanas ainda conservam, são os Afoxés (como entidades de cunho artístico e religioso mais evidente) que devem abrir os desfiles, num verdadeiro ritual de benção e proteção ao lado sagrado do Carnaval. Assim quando um bloco-campanha contra a dengue os antecede, aceita-se ferir um ritual só para não se indispor com o poder público. No fundo as relações servis dos tempos ditatoriais (ou imperiais) conservam sutilmente sua dinâmica.

A Nova Ordem das Torcidas que Sambam: Túmulo ou Estádio?

          Não se pode afirmar que o processo devorador do desfile espetáculo não abra espaço para movimentos de renovação ou contestação. Movimentos estes ambientados nas próprias brechas dessa ausência de uma política cultural para o mundo do samba. A medida que o poder de uma agremiação possa ser mensurado pela quantificação de seus simpatizantes, a idéia de uma torcida do samba um dos mecanismos mais rápidos e eficientes para massificação das agremiações. Se a pouco mais de trinta anos Camisa Verde e Branco e Vai-Vai, deixaram de ser cordões para converterem-se em Escolas de Samba, mantendo a “autenticidade” de suas raízes, por que o processo deveria ser impedido para  Gaviões da Fiel, Camisa 12 e Mancha Verde (três torcidas de futebol que desfilam nos grupos da Liga)?
          A mistura de estranheza e naturalidade tem sido responsável por posições e decisões absolutamente contraditórias; porém capazes de incluir um dado novo e polêmico no dos desfiles e da representação cultural do samba paulistano. O ano de 2004, foi marcado por situações incômodas e destoantes do reconhecimento das escolas torcidas por suas co-irmãs. O primeiro indicador aparecia no artigo 45 do Regulamento do desfile afirmando fica regulamentado que, na hipótese de duas ou mais entidades Carnavalescas, oriundas de Torcida Uniformizada, alcançarem o grupo Especial de Escolas de Samba, será automaticamente criado um grupo de desfile específico para as Agremiações dessa Natureza.
          E em seguida o parágrafo único afirma: O grupo acima mencionado será denominado Grupo Especial das Escolas de Samba Esportivas, o desfile será realizado no Pólo Cultural em dia e hora a ser definido pela Liga, com toda a estrutura necessária para a realização do Concurso. Noutras palavras, é previsto um mecanismo de isolamento dessa tendência renovadora que aumenta a visibilidade do Mundo do Samba, mas põe em risco o tradicional equilíbrio de forças das agremiações de raiz.
          São válvulas de escape de um processo iniciado no final dos anos 80, quando a Liga precisava de afirmação para enfrentar as alegações de que tornava ainda mais carioca o Samba paulistano. O Sambódromo estava em projeto e as constantes vitórias da Gaviões no Grupo de Blocos da UESP gerou um convite extraordinário: transformar a torcida-bloco em Escola de Samba, ingressando no Grupo de Acesso (então Grupo 1B). Bastaram mais 10 anos para a Gaviões acumular 6 campeonatos (2 do Acesso e 4 do Especial) tornando-se a maior uma inigualável potencia do Carnaval paulistano.
          Paralelamente a essa tradicional torcida corintiana, a Mancha Verde (palmeirense e rival da Gaviões) proibida de freqüentar os Estádios por força de legislação específica e punitiva das torcidas organizadas, refunda-se como entidade carnavalesca em 1996, chegando ao grupo Especial 8 anos depois, no desfile deste ano. Crescimento também explosivo, já que diferentemente da Gaviões, a Mancha venceu todas os níveis intermediários da UESP (4 no total) antes de chegar ao grupo de elite da Liga.
          Portanto o artigo 45 do regulamento não entrou em vigor porque no mesmo ano de ascensão da Mancha, ocorreu o surpreendente rebaixamento da Gaviões. A escola corintiana foi penalizada com 8 pontos no total da apuração pelos problemas que enfrentou (e causou) na passagem de seu último carro alegórico.
          Fizemos o detalhamento desses aspectos porque as tensões geradas pela presença dessas novas agremiações podem, dentro em breve gerar uma nova dinâmica de visibilidade para a maior parte do ano. Período este em que o samba se distancia da espetacular máquina do Carnaval. Seria a proximidade com o Futebol, uma estratégia de sustentação? Até que ponto as escolas torcidas poderiam responder a morte sazonal do samba com a vitalidade esportiva (e constante) dos estádios?
          Nos parece que essa possibilidade compõe tão somente um otimismo exacerbado diante do novo – que por sua vez não esconde seus traços de oportunismo. É como se fantasmas freqüentassem o Túmulo do Samba, fazendo tanta algazarra, a ponto de nos dá a impressão de que o mundo dos mortos é mais animado que o dos vivos.
          A dimensão mais frustrante dessa renovação, começa pela retórica dos líderes da Gaviões da Fiel Torcida. Em qualquer declaração de sua diretoria fica evidente que o samba é uma cultura secundária diante do próprio Corinthians. E na seqüência, a torcida, que lota as arquibancadas do Pólo Cultural para saudar o Timão, preenche todos os espaços do desfile a ponto de tornar essa fidelidade inabalável um instrumento de destruição. O incidente do carro alegórico da Escola teve direta ligação com essa mistura irracional (e passional) de samba e clamor esportivo. A passagem acidental da alegoria, não escondeu a incapacidade da harmonia da escola em controlar-se diante dos problemas. Mas valia arrastar o carro desgovernado a qualquer preço do que parar diante dos gritos alucinante da fiel torcida.
          Pela primeira vez, uma escola bicampeã do carnaval é rebaixada, contrariando todo seu brilhantismo popular. São evidências de um extremismo que explica a adequação de uma torcida esportiva como Escola de Samba. Mas não institui uma nova ordem, minimamente capaz de dar rumo a tão necessária política cultural para o mundo do Samba na Cidade.
          Entre outros motivos, as idas e vinda das torcidas que sambam, podem apenas sugerir que o movimento de modernização profissional das Escolas de Samba, não se esgota na lógica televisiva do espetáculo para as massas. Pode acumular a transferência das tensões sociais mal resolvidas em outros campos da cultura – como do lazer público das identidades urbanas, mais moldáveis ao universo do futebol. Pode também auxiliar na implosão das contradições ditatoriais que ainda marcam a composição das estruturas administrativas do mundo do Samba. Afinal, a democracia corintiana modelou didaticamente aspectos participativos, responsáveis pela ampliação dos poderes de quem de fato produz o espetáculo.
          Mas quando vemos um desfile quase impecável de uma Escola em que todas as “marcham” em fileiras obedientes, executando o tempo todo os mesmos movimentos e evitando pronunciar no samba-enredo o termo São Paulo (ou vestir qualquer peça verde) porque pecado maior está em reconhecer o time rival, temos certeza de que o militarismo da Ditadura é facilmente substituído pelo fundamentalismo da Democracia. Pode parecer um exagero de conceituação para os fatos demonstrados. Mas preferimos, causar polêmica nestes termos do que observar o Carnaval paulistano com olhar lacônico de quem observa uma coisa e diz outra.
          Durante as transmissões dos desfiles do Grupo de Acesso, na TV Cultura, os debatedores discutiam a vitalidade e resistência do autêntico samba paulista. Enquanto isso, do lado de fora da cabine, meia dúzia de foliões, embaixo de uma chuva torrencial assistiam o desfile de 8 escolas de samba. Na passagem da Mancha Verde, essa meia dúzia se multiplicou 100 vezes. Depois tudo voltou ao normal do esvaziamento... Das duas uma: ou o debate cultural era uma montagem televisiva, e o que os debatedores viam não tinha nada a ver cm as transmissões. Ou... falava-se e via-se o tal enterro do Samba em seu Túmulo.
          Sambónecro nosso de cada dia, São Paulo nos daí hoje, em pleno Carnaval.

Christian Dennys Monteiro de Oliveira[1]

Referências Bibliográficas:

  • LIGA-SP – Regulamento Oficial do Carnaval 2004.

  • MORAES, Wilson Rodrigues de – As Escolas de Samba de São Paulo (Capital) – São Paulo: Conselho Estadual de Artes e Ciências Humanas, 1978.
  • QUEIROZ, Mª Isaura Pereira de – Carnaval Brasileiro: o vivido e o mito – São Paulo: Brasiliense – 1999.

Christian Dennys Monteiro de Oliveira

 

[1] Professor de Geografia do Colégio Lúmen Vitae e de Turismo, na especialização “Cidade e História” da  Unisantos, Doutor em Geografia pela FFLCH-USP e pesquisador do CELACC

[2] As principais organizações contratadas pela Anhembi Turismo e Eventos para a realização do Carnaval paulistano são: a Liga Independente das Escolas de Samba de São Paulo (LIGA-SP), responsável pelos grupos Especial e de Acesso; a União das Escolas de Samba Paulistanas (UESP), responsável pelos desfiles do Grupo I, II, III e Espera (as divisões inferiores das escolas de samba), além dos Blocos de Tema-Enredo; A Associação das Bandas de São Paulo (ABASP) e a Associação dos Blocos, Bandas e Cordões de São Paulo (ABBC). Essas últimas responsáveis por carnavais de agremiações carnavalescas que desfilam ou se apresentam em localidades específicas da capital.

[3] A partir do Carnaval de 1968, os desfiles das agremiações carnavalescas passaram a ser promovidos e subvencionados, prioritariamente pela Prefeitura de São Paulo, por intermédio da Secretaria de Turismo. O então prefeito Faria Lima, negociou a concessão das verbas, desde que as entidades se organizassem numa federação, capaz de prestar contas posteriores do uso do dinheiro público. Conta Wilson Rodrigues de Moraes (1978, p.69 – 71) que essa pressa, na ausência de estudos adequados levou os sambista a copiarem o regulamentos dos desfiles e os estatutos das Escolas no Rio de Janeiro.  Algo similar pode-se depreender para a constituição da Passarela de Desfiles, no governo Luiza Erundina.

 

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