Por que não posso gostar?

 

As dificuldades existentes para quem gosta dos desfiles de escolas de samba

          Confesso que me considero um apaixonado pelo carnaval, sobretudo o das escolas de samba. Gosto de saber a posição de desfile, decorar os sambas, discutir enredos, a estética dos carnavalescos, curtir os ensaios e admirar os desfiles.
          Assim como eu, milhares de pessoas pelo país são admiradoras deste formato da festa, alguns mais loucos, outros bem menos aficionados do que este que vos escreve.
          Esse período de fim de ano é a época em que a maioria das pessoas começa a pensar em carnaval: a expectativa para que fevereiro chegue logo é perceptível nos olhos de muitos. Já outros rezam para que chegue um pouco mais tarde, para que possam perder mais uns quilinhos para ficar em forma para a folia.
          Eu, particularmente, faço parte de um outro grupo, juntamente com mais alguns milhares de pessoas: daqueles que abdicam a curtição do carnaval local por alguns dias para assistir os desfiles de escolas de samba pela TV. Permaneço madrugada adentro assistindo aos desfiles passo a passo, comentando, discutindo, torcendo...
          Mas em meio a tudo isso, infelizmente, existem algumas pessoas que não entendem nosso gosto e começam a repudiá-lo, uma vez que estes preferem outras formas de carnaval (o dos trios elétricos, ou dos blocos de embalos locais, por exemplo) ou simplesmente não gostam dos festejos de momo, curtindo mesmo um bom descanso ou um retiro espiritual.
          Já cansei de ser chamado por colegas para participar dos blocos, dos bailes e dos trios nos dias de desfile. Nunca aceitei, pois me reservo no direito de preferir os desfiles que passam na televisão. Em função disso, constantemente sou “agraciado” com os termos “chato”, “anti-social”, e outros adjetivos nem tão brandos assim e de cunho bem mais pejorativo. Aposto que muitos que estão lendo agora esse texto têm uma história parecida para contar.
          O que acontece na verdade é que as pessoas não respeitam as diferenças existentes em nossa sociedade em todos os sentidos, mesmo quando se trata de uma festa essencialmente democrática com é o caso do nosso carnaval. Geralmente um grupo não tolera quando um de seus integrantes resolve adquirir preferências diferentes daquelas compartilhadas entre os outros. A partir daí, começam a tentar minimizar sua escolha para que esse integrante ceda as pressões e  mude de opinião, ao menos superficialmente.
          Mas não é por aí que a carruagem anda: acredito que o que contribuirá para a convivência entre as pessoas é o respeito mútuo: Eu não gosto do carnaval estilo Trio Elétrico (Axé Music), mas nem por isso o minimizo ou utilizo termos pejorativos para identificá-lo. Muito menos “faço cabeça” de alguém para que compartilhe do meu gosto e repudie o Axé. Temos o direito de escolher o que queremos para nós, até por que, de uma discussão sobre gostar ou não de carnaval, pode gerar em um determinado grupo uma condição de preconceito contra àqueles que gostam da festa, de fato uma situação desagradável e nociva à convivência em sociedade. Tantos grupos sociais sofrem com isso nos dias de hoje buscando auto-afirmação e são colocados à margem do chamado comportamento social padrão. Não podemos de forma alguma sermos excluídos e nem tampouco excluir alguém em virtude do não compartilhamento de idéias e opções. Devemos tão somente cultivar o que gostamos e respeitar àqueles que não gostam das mesmas coisas
          No meu caso, reafirmo. Fevereiro é mês de festa. E de geladeira lotada, porque pra agüentar a maratona televisiva que eu encaro, tenho que me alimentar muito bem...

Victor Raphael
(Publicado Originalmente na Coluna Olhar Externo)

 

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