CARNAVAL À VISTA!
Nunca Fomos Catequizados,
fizemos Carnaval
Antes dos desbravadores navegantes europeus
desembarcarem em solo brasileiro, o Brasil já encontrava-se habitado
pelos índios. Na época do descobrimento, várias pessoas deixaram notícias
a respeito do modo de vida dos aborígines, embora algumas informações
até hoje não tenham sido obtidas. Nunca se soube ao certo de onde
teriam vindo nem como e quando eles surgiram.
Lendárias
magias explicam o surgimento dos "descobertos". Segundo
os indígenas amazonenses, Tupã, deus supremo, pai de todos os homens,
mandou que Coaraci - princípio materno desse origem a todas
as coisas: rios, fauna diversa, flora verdejante, terra fértil de
deliciosos frutos e bons ares. Um lugar muito agradável, prazeroso,
deleitante. Coaraci criou também a primeira icamiaba "a sem marido"
até então solitária vagando por este verdadeiro paraíso tropical.
Tupã
decidiu portanto, povoar aquela deslumbrante região enviando da tribo
celestial um índio guerreiro sobre uma estrela colorida brilhante,
a qual pousou no coração da América do Sul. No luminoso astro continha
todos os segredos das magias encantadas, com as quais todas as tribos
terrestres deveriam se proteger dos maus espíritos, por isso, foi
guiada por uma legião de curubins tocando suas flautas encantadas
anunciando a chegada do guerreiro, formador juntamente com
a amazona errante da civilização "brasilíndia".
No
paradisíaco brasilis nossa gente vivia feliz. Além de donos da terra
os primeiros brasileiros possuíam uma alma festiva: cantavam, dançavam
enfeitavam-se deixando transparecer a euforia que a todos nós é peculiar.
Bastante criativos, utilizavam materiais coletados na natureza para
confeccionarem utensílios ornamentais; pintavam seus corpos com óleo
de pequi; tocavam instrumentos como a aruá (flauta) e a maraca. Convidavam
tribos vizinhas para celebrar os deuses da mata, da água, dos ares,
pois adoravam uma "folia" em grupo. De fato os índios foram
autênticos precursores dos foliões atuais. Receberam os desbravadores
navegantes ao melhor estilo tupiniquim, demonstrando através de atos
sua predisposição à carnavalescos inatos.
Na
ocasião da primeira missa rezada pelo frei Henrique, o padre pôs-se
em uma cadeira alta pregando solene sermão. Durante a pregação, os
índios, na praia, tocavam buzinas começando a pular e a dançar...
Um gaiteiro português foi festejar com eles tomando-os pela mão; todos
riam alegremente dançando alucinados ao som contagiante da gaita.
Com
os povos da floresta começa nossa pré-história. Essa gente sem malícia,
bem humorada, amante da liberdade, arautos da felicidade, jamais se
deixaria catequizar. Lutaram sem trégua por seus direitos unindo-se
como na Confederação dos Tamoios, uma das organizações indígenas mais
fortes na guerra contra os escravizadores portugueses. Naquele tempo
índio já queria apito e se não desse...
E
o cordão cada vez aumentava mais. Após enfrentarem os fantásticos
mitos acerca do alto mar que descrevia terríveis monstros marinhos,
sereias sedutoras, colunas de fogo, enormes redemoinhos; os portugueses
aportaram em Cabrália a 22 de abril de 1500. Cabral com sua comitiva
levou ao conhecimento do velho mundo relatos inusitados de uma terra
pitoresca, que só depois de 30 anos foi colonizada.
Pelo
velho Chico (Rio São Francisco) adentro as caravelas e os brancos
portugueses assistiam margeando de terras baianas à Sergipe os batuques
chocalhantes, de índios Tupis Guaranis.
O
Carnaval no Brasil-colônia foi introduzido pelos lusitanos. O primeiro
festejo realizou-se em 1641, quando o governador Correia de Sá e Benevides
promoveu uma série de festas para comemorar a subida ao trono de D.
João IV. Esse carnaval contou com corridas de argolinhas, combates
simulados, desfile de blocos fantasiados e mascarados. A partir daí,
a folia momesca não mais parou.
Os
séculos XVII e XVIII caracterizaram-se por vários conflitos separatistas
contra o regime colonial que começava declinar mediante conspirações:
Inconfidência Mineira, Conjuração Carioca, Conjuração Baiana, todas
cruelmente sufocadas. Em 1808, a Família Real chega ao Brasil sendo
recebida com muita festa. Mais tarde, com a independência proclamada
(1822), entre vivas e explosões de fogos, milhares de pessoas se acotovelavam
nas janelas enfeitadas para assistir ao extraordinário acontecimento:
D. Pedro I era aclamado Imperador; nascia a monarquia imperial.
Foi
no segundo império que o Brasil conheceu relativo progresso. A navegação
a vapor acelerou os contatos entre as principais cidades brasileiras.
As mulheres e os homens da elite acompanhavam os acontecimentos na
Europa, vestindo-se à moda francesa. Charretes puxadas por cavalos
e dirigidas por cocheiros fardados, enchiam as ruas do Rio, compondo
assim, um belo cenário com direito a palacetes, residências suntuosas
construídas pelos aristocráticos barões do café.
As recepções promovidas pelo Imperador agitavam a vida social da nobreza.
Mas era o carnaval, um divertimento popular as vezes violento, que
sacudia a Corte Real. O entrudo (Herança de Portugal), predominava
nas brincadeiras carnavalescas da época. Jogava-se água, farinha-do-reino,
fuligem, cal, pó-de-sapato, empapando os transeuntes. Altos personagens
do império se divertiam jogando ovos podres e talos de hortaliças
nas pessoas. A empolgação era tanta, que até o animadíssimo imperador
D. Pedro II gostava de atirar limões-de-cheiro e bacias de água nos
nobres freqüentadores da Quinta da Boa Vista, Rio de Janeiro. No começo
do século XIX, a "molhaça" foi substituída por confetes
e serpentinas e lança-perfumes. Porém o espírito das "batalhas"
ainda sobrevive nas bisnagas de água usadas pelas crianças.
Por volta de 1846, o sapateiro português José Nogueira (o Zé Pereira)
introduziu o bombo no carnaval brasileiro, saindo as ruas centrais
do Rio em barulhento cortejo, tomando conta da cidade fazendo maior
sucesso.
Batuque
no terreiro sinhá não quer. Originários da África, os negros eram
trazidos à colônia para trabalhar arduamente nas lavouras de cana
dos Senhores de Engenho. Trabalharam também nos cafezais dos ricos
imperadores do café. Durante esse período histórico, em nenhum momento
os africanos aceitaram passivamente a condição de submissos. Fugiam
continuamente das fazendas, refugiando-se nos quilombos, dentre eles,
Palmares merece relevante destaque por ter sido o maior, mais organizado,
abrigando-se nele qualquer indivíduo injustiçado pelo sistema vigente:
índios, holandeses, portugueses etc., todos convivendo em perfeita
harmonia.
Severamente
proibidos de manifestar os hábitos culturais africanos, os escravos
tiveram suas festas profanas associadas ao catolicismo. A coroação
dos Reis Negros (reisado), a invenção dos maracatus originou-se da
festividade católica de Nossa Senhora do Rosário, na qual mucamos
adornados saíam em procissão sacudindo chocalhos e entoando cânticos.
O culto religioso na senzala reverenciava os orixás embalando as noites
festivas dos negros com muito batuque, cantos e danças. Os quilombos
tentavam reproduzir a paisagem exótica da África, com animais artesanalmente
esculpidos. A cadência forte dos tambores ecoava pelos ares convidando
todos os habitantes da localidade a participarem das apresentações
de capoeira, danças nativas como o samba os lunduns, jongos etc. Os
terreiros de macumba pós abolição mantiveram a batucada gostosa dos
atabaques, as danças e a capoeira que emprestou seus movimentos para
os mestres-salas das atuais escolas de samba.
A
marca da cultura africana em nosso carnaval, está sem dúvidas, na
musicalidade, nos ritmos, também na composição grupal de foliões.
Nos anos dourados das sociedades, houve uma proliferação extraordinária
de agremiações carnavalescas populares. Os cordões organizados passaram
a existir, entre eles a sociedade "triunfo dos Cucubins"
composta de negros fantasiados de índios tocando instrumentos primitivos,
homens alegres comemorando a liberdade concedida pela abolição. Esses
foram os responsáveis pela consolidação do costume de se fantasiar
durante o carnaval.
Abram
alas para as colombinas. Grandes correntes migratórias desaguaram
no Brasil depois da extinção do tráfico negreiro (1850). A maior parte
dos estrangeiros foram trabalhar nas fazendas de café. Outros vieram
espontaneamente instalando-se nas cidades. Aí abriram lojas, padarias,
armazéns, pequenas indústrias... Muitos ocuparam terras designadas
pelo governo, especialmente Santa Catarina e Rio Grande do Sul. Para
lá foram sobretudo italianos e alemães, onde deixaram traços profundos
nos aspectos culturais do povo sulista.
Representantes
de uma riqueza cultural deslumbrante os imigrantes acabaram incorporando
suas tradições carnavalescas aos folguedos aqui existentes. Por iniciativa
de uma italiana, foi realizado em 1840 o primeiro baile de máscaras,
totalmente copiados por inúmeros outros de maiores repercussões. Os
bailes públicos também invadiram lugares mais acessíveis ao povo,
não só os salões burgueses.
Quantos
sorrisos! Quanta alegria! São mais de mil palhaços no salão, Arlequins
procuravam encantar as Colombinas, no meio da multidão. O aparecimento
desses bailes influenciou bastante a participação de mulheres no carnaval.
Festa que antes era para negros e mestiços; moça de família não entrava
na massa de foliões. Agora, a festança estava delicada, colorida,
com confetes, serpentinas, as damas elitistas poderiam ser acolhidas.
Herdamos
dos germânicos a prática de "bebemorarmos" com muitas doses
de cerveja este dia de folia. Para muitos, a bebida é o combustível
do desabafo popular; permite-nos cantar nossas dores e alegrias; retirar
do rosto a máscara; o disfarce, revelando-nos tal qual como realmente
somos interiormente.
Século
XX: a praça é do povo e o povo quer sambar. A queda da monarquia possibilitou
a implantação da república (1889). Anos seguintes, novidades curiosas
transformariam o começo do século XX: carros que andavam sem precisar
ser puxados por cavalos. Lâmpadas sem gás nem pavio. Aparelhos para
conversar com pessoas a longa distância. Outros para tirar retratos
perfeitos como um espelho. Uma tela mágica onde são projetadas imagens
de pessoas, bichos, coisas etc.
As
cidades modernizaram-se entre fortes contrastes sociais, fazendo a
camada pobre da população reagir contra as precárias condições de
sobrevivência, deixando-se levar pelas pregações de "beatos"
que lhes acendiam a esperança de melhores dias. Outros partiam para
o saque de fazendas, roubos de gado, juntando-se aos líderes cangaceiros.
Apesar
de tudo, as massas populares se divertiam. Os brasileiros assistiam
a caminhada da nação rumo à modernidade, enquanto registravam definitivamente
o perfil hereditário resultado da aglutinação de raças - de
nunca se curvarem ante a opressão. Da década de 30 em diante, nas
ruas e nos salões o carnaval oficializava-se, ganhava brilho, mais
vida com as reminiscências de um passado glorioso. Algumas músicas
carnavalescas daquele momento se tornaram imortais como "Linda
Morena", "Mamãe eu Quero", "Pierrô Apaixonado",
"A Jardineira", "Saudades da Amélia"... O prestígio
da nossa folia ganhou dimensão internacional sobre tudo a que acontece
no Rio, Bahia e Recife. Recife tem algo do banzo africano, guardando
muitas lembranças dos antigos escravos. Em meio a efervescência das
ruas, junta-se a alegria européia com o frenesi do frevo genuinamente
pernambucano. Na Bahia o axé consegue arrastar uma multidão de pessoas
atrás do trio elétrico. No Rio, a consagração apoteótica. Um show
de cores delirantes, tecnologia, história e muita cultura nas engrenagens
que produzem o maior espetáculo da terra: o desfile das escolas de
samba. Nascida de reuniões ou "numa roda de célebres amigos bambas",
este evento contou com várias manifestações de diferentes origens.
Brasil
2000 são outros 500. As grandes navegações lançadas ao mar cinco séculos
atrás, revelaram ao mundo um tesouro preciosíssimo escondido por entre
as florestas, protegido por mistérios mágicos, belezas naturais sem
igual, águas cristalinas, que neste final de século início de uma
nova Era; necessita repintar sua aquarela na tentativa de solucionar
problemas básicos: saúde, educação, moradia, etc. Para tal, precisamos
recolonizar nosso chão e confiar na determinação desse povo ricamente
dotado de motivos folclóricos, de talentos criador, inspirações musicais.
É preciso lutar para garantir nosso espaço no ambiente futurista do
mundo moderno; colocar nas mãos dos índios os botões da informática,
ao lado deles venham os Arlequins, Pierrôs e Colombinas, nossos irmãos
africanos, os "carnalizadores" portugueses. Todos que aqui
chegaram forjando história, fazendo folia na eufórica fraternidade
do reinado de momo. Criadores do imenso bloco multiracial chamado
Brasil, o país do Carnaval.
Bibliografia:
- Enciclopédia Barsa
Consultoria Editorial Ltda. 1993.
- Enciclopédia Britânica.
- Real Gabinete Português de Leitura
Portuguesa.
Recife Pernambuco.
- A História de um Povo. (sociedade
brasileira, império e república) Azevedo e Daros.2 São Paulo: FTD,
1988.
TÍTULO: NUNCA FOMOS CATEQUIZADOS. FIZEMOS FOI CARNAVAL.
Fragmento do Manifesto Antropófago Mário de Andrade.
TEMA: 500 Anos do Descobrimento do Brasil,
numa visão carnavalesca e histórica. Da reunião de diversas raças
nasce o povo brasileiro, cada qual com sua cultura colaborando para
invenção deste, que sem sombra de dúvidas é o maior e melhor carnaval
do mundo: o carnaval brasileiro.
Max Lopes
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