O sertão vai virar mar, o Velho Chico quem vem
avisar
Sinopse:
O
enredo do GRES Independente da Praça da Bandeira para o Carnaval 2006
é essencialmente regional, mas trás consigo uma dimensão nacional
e internacional na medida que trata de um tema central para vida humana,
a água.
Este enredo
de cunho regional tem por objetivo trazer para a capital do samba
e conseqüentemente para sua passarela a importância da água para populações,
sobretudo do Nordeste brasileiro, que no curso da nossa história vivem
de forma ininterrupta o drama da seca.
A transposição do Rio São Francisco, o nosso Velho Chico, se constitui
numa medida importante, a sua transposição se traduz numa resposta
concreta aos anseios de milhares de pessoas que ainda não adquiriram
o direito humano fundamental à água.
O acesso à água esta na base da organização social, política e religiosa
da população do nordeste e do semi-árido brasileiro. Há com a água
uma relação mítica, portanto de fé, uma relação de política, que se
traduz nos movimentos sociais, onde se reza para chover, organizam-se
manifestações para reversão desse drama social.
Andar léguas e léguas atrás de um balde d’água, ver a produção agrícola
e agropecuária morrer pela ausência de chuvas é muito triste. O cenário
é de terra rachada e chão esturricado, a fome e a miséria campeiam
pelo território, são vidas marcadas pela pobreza e pelas desigualdades
sociais.
As dificuldades são grandes, mas à vontade de vencer é igual. É comum
a afirmação de que enquanto houver condições, mesmo que mínimas, é
possível resistir “só deixo o meu cariri, no último pau de arara”.
O último pau de arara ainda não partiu, mas os que já foram, levaram
sonhos e esperanças de dias melhores na cidade grande. O drama da
seca ampliou de forma substancial o êxodo rural, as grandes cidades
acabaram por receber uma grande parcela dessa população que migrou
para as metrópoles em busca de emprego, educação, saúde, enfim de
condições mais dignas para se viver, criar seus filhos e seus entes
queridos, que em muitos casos não se concretizou.
O velho Chico este gigante adormecido, avisa que o sertão vaia virar
mar. Do alto da sua experiência, ele vai aos poucos apresentando a
importância das suas águas na construção da cidadania. Inicia dizendo:
a seca é um negócio político e econômico que atende aos interessados
do poder. A sua narrativa vai desvendando para todos nós o drama da
seca e sua face mais cruel, a fome e a miséria.
O velho Chico reconhece a importância dos apelos míticos em respeito
à fé do seu povo que tem em São José um santo de grande importância
para a população e em Frei Damião e Padre Cícero dois grandes personagens
da história de um povo que luta por dias melhores. A cultura do sertão,
a cultura da seca não pode prescindir desse traço marcante em sua
história. Esses personagens foram importantes na construção de uma
cultura que reza, que canta, que dança, que faz promessa para que
as águas possam rolar naquele pedaço de chão esturricado.
O velho Chico é resistente, bravo e valente, afirma que as suas águas
podem mudar esse cenário, ele sonha com uma paisagem de beleza, fartura,
prazer. Para ele a saída do cariri não representa mais dignidade,
a vida é dura, pois na cidade grande falta moradia, trabalho, renda,
água, lazer, enfim, as coisas por lá não tão boas como parece.
O velho Chico diz que transportar as suas águas não é simples, mas
com boa vontade e determinação as coisas vão caminhar. Velho Chico
apresenta fala triste da ilusão que é a cidade grande, e não perde
a oportunidade para dizer que a preservação do meio ambiente é fundamental,
não há como falar de água, terra e mar, sem pensar nessa importante
dimensão da vida social.
Velho Chico na sua narrativa diz a natureza do lugar será profundamente
alterada. Para ele água é sinônimo de paz, justiça e cidadania. A
água representa a afirmação do sertão com o seu povo, a sua cultura
e seus costumes. De forma meio profética ele afirma: que as suas águas
vão abastecer residências, irrigar as plantações, banhar e alimentar
o gado, enfim, vão transformar a paisagem sombria e triste, num espaço
de prazer e digno de se viver.
O velho Chico avisa que vai deixar seu cariri por alguns instantes,
vem até a Marquês de Sapucaí contar um pouco da sua história, mostrar
a importância das suas águas, da cultura de seu povo e da solidariedade
que a população deve ter com a sua iniciativa, que segundo ele se
constitui numa importante medida de sustentabilidade das cidades.
Ele avisa também, que é preciso balançar, levantar o astral, cantar
com a naturalidade e a leveza de seu povo.
Para contribuir no desenho do enredo e na construção do samba enredo,
a direção de carnaval trouxe uma breve descrição do Cordel de Paulo
Gudin, cordelista nordestino sobre a transposição do Rio São Francisco.
Chega de discriminação, com a chegada da água inicia-se a solução
para o problema da seca, o Nordeste brasileiro que já foi rico, pode
voltar a produzir cana-de-açúcar, cacau, sal e outras riquezas importantes
para o desenvolvimento da região.
O povo sertanejo sonha com uma vida diferente, “se houver água na
terra nada há que não enfrente, quer ver seu filho crescer e poder
permanecer no meio da sua gente.”
O desejo de mudança vem de longe e é intenso, pois a seca é um ganho
para muita gente, por isso as coisas por lá nunca mudam, passa ano
e entra ano, nessa roleta absurda, remando contra a corrente.
Por isso há sempre muita desculpa para a seca ser combatida, ainda
que muita gente continue desassistida. A transposição das águas do
Rio São Francisco é sinônimo de vida e prazer, direito à vida, cidadania
e lazer.
Água no sertão é para molhar o torrão, acabar com a industria da seca
onde pouca gente se dá bem. Os poderosos não querem com a seca acabar,
para eles ela boa para o pequeno explorar. A seca é um bom negócio
para quem vive do ócio sem precisar trabalhar.
A questão é bem mais séria, é de ordem social, água no Nordeste é
ponto fundamental pra combater a pobreza, para aflorar a beleza dessa
gente bonita e leal.
O jeito para o Nordeste é água, seja ela do rio ou do mar, já que
com a água da chuva não se pode contar. Se num ano a falta faz em
outro é demais, não há jeito caro amigo pra melhorar o negócio é irrigar.
Chega de promessa, diálogo e engano, pois já estamos nessa a muitos
anos, diz o cabloco nordestino, o rico fica cada vez mais rico e o
pobre no desengano. Com a industria da seca onde há água tem cerca,
onde tem cerca tem dono.
A transposição do Velho Chico é algo que exige coragem e determinação,
pois para a gente do sertão, água na terra significa, plantação e
fartura nascida da água pura que vem lá do franciscão.
Nós vamos ver bem ti vi, ouvir o galo cantar, ver roçado crescer,
o gado pastar, sentir o verde da serra com a água molhada da terra
que para nós nunca mais faltará. Não queremos ver o canto triste do
carcará indo embora.
Não queremos ver nas cidades gente morando em favelas, crianças abandonadas,
casas sem portas e janelas. Não quero ver minha gente infeliz e descontente
sofrendo dessas mazelas. Eu quero ver o sertanejo na sua terra morar
do seu pedaço de chão nunca ter que se afastar, sem precisar ir embora,
sem destino mundo afora, pra longe de seu lugar.
Sem agredir ao meio ambiente, vamos mostrar que é possível mudar o
nosso sertão, com as águas do velho Chico construindo um novo lugar,
marcado por um mar de água, mar de gente voltando da cidade grande,
onde mais uma vez deixou apenas a esperança.
Hélio
Ricardo Porto
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