Por ti, Portinari,
rompendo a tela, a realidade
Justificativa:
Ao escolher Candido
Portinari como tema, a Mocidade Independente vem celebrar um dos
maiores nomes da pintura brasileira no cinquentenário de seu
desaparecimento.
Através
de suas mais importantes obras, mostraremos a trajetória deste
artista que acima de tudo retratou em seus quadros e murais, a
história, o povo e a vida dos brasileiros, através dos traços fortes
e vigorosos carregados de dramaticidade e expressão.
Esta
homenagem escrita em forma de poema é a maneira mais digna
encontrada para festejar este mestre que além de pintar também foi
poeta e que entre outras manifestações artísticas soube tão bem
ilustrar com seus desenhos os poemas de Carlos Drummond de Andrade,
seu grande amigo e parceiro na versão do livro “Dom Quixote de La
Mancha”, de Miguel de Cervantes.
Por
fim é a Mocidade Independente que se orgulha em levar para o desfile
um pouco da obra imortal de Portinari ao conhecimento do grande
povo, aquele que sempre foi a sua grande fonte de inspiração.
Sinopse:
Num voo mágico, viaja o
samba,
a conduzir meu povo feliz
em seu viajante sonho.
Solto no universo garboso, prosa em verso,
na fantasia a se tornar realidade,
leva os tambores da felicidade,
para despertar o artista na morada celestial.
Ó mestre, ergueis do sono esse quadro vazio.
Sua obra vive no cantar de nossa gente.
Põe nas tuas mãos o teu instrumento,
tua tela hoje é o firmamento,
que a arte se deixa tingir o breu da noite,
com um colorido de festa,
a aquarela do carnaval.
Vai, reinventa mais um lúdico céu.
Pinta por nós a nossa estrela,
tu que pintaste tanto a Mocidade,
deixa a tua mão deslizar Independente.
Hoje, somos as tintas que envolvem
as cerdas do teu pincel, e que,
na mistura das cores, por ti, Portinari,
rompem a tela para a realidade
e brilham no samba de Padre Miguel.
Hoje, uma moldura viva e humana
enquadra a tua história na pista,
e teu traço se refaz nos pés,
no passo do sambista,
que vai riscar murais de sonhos
e estampar retratos,
cena dos Brasis que tu desenhastes.
À luz da inspiração, vem fazer reluzir em nossa mente
a cândida infância de tua Brodowski querida,
e reflorescer os campos com suor da lida,
dos mestiços viris a lavrar a ampla terra.
“Entre o cafezal e o sonho”,
vem reunir retalhos e as lembranças coloridas,
como as dos espantalhos a oscilar na brisa,
serenos sobre as plantações.
Hoje, é um tempo que não passa.
Um turbilhão, um vento que sopra,
que varre e traz recordações,
e que vem devolver a ti a meninice.
Somos nós os teus meninos,
sem rosto, anônimos na multidão,
que fazem girar o teu mundo
num rodopio frenético,
como se fossem um pião,
tal como um caleidoscópio
a transmutar em formas a tua imaginação.
Somos a quimera límpida,
que balança livre num céu pontilhado,
às vezes, de pequenas pipas e balões.
Viemos abrir o teu coração
e revelar esse tal sentimento,
que subjugou a estética,
ao adulterar a técnica pela arte livre,
carregada de emoção.
Nessa força da cor que se imprime,
se diluem teus nativos,
descobridores, heróis desbravadores,
fauna e flora a percorrer paredes
como ciclos, desvendando a história,
o caminhar dessa nação.
Nesta hora, trazemos a alegria
pintada em nossas caras.
O suor que transpira
sob as luzes deste palco
é a nossa emoção que transborda,
ainda que exale de nós
a têmpera do mesmo povo sofrido,
do caminhar errante,
em busca da terra prometida, a vitória.
Imagina nós, os retirantes,
embora a esconder a face dura da vida,
como tão pungente retrataste,
dando o tom da cor às palavras
de “Guimarães” e “Graciliano”,
a cor da dor, escassa,
como a secura da terra do cangaço,
por vez, na força do traço,
a bravura sertaneja.
A nossa odisséia e a nossa missão
é cantar-te, nosso estandarte, a glória,
como quem procura buscar nas alturas a prova.
Somos cenas bíblicas,
tal qual as que interpretastes,
nos vemos Santos,
Anjos olhados por Deus,
a voar nos céus azulejados.
Viemos aqui à luta,
contra o inimigo invisível,
os moinhos de vento
de uma aventura inventada.
À sorte, nos imaginamos fortes,
como o arauto sonhador
a rabiscar no papel uma estrada escrita
num poema de “Drummond”.
Somos “Dom Quixote De La Mancha”,
a empunhar a lança feita de lápis de cor.
Enfim, somos todos iguais esta noite,
como aqueles tantos que tua mão desenhou.
Somos o samba, o morro,
a favela, a dança, a música,
o contraste social,
trabalhadores do sonho,
assim como os da vida real.
Vamos à luta,
temos as caras das tuas caras,
o autorretrato da tua alma.
Somos todos em um,
a tua lembrança viva,
a eterna Mocidade,
modernista, revolucionária e guerreira
que, aqui neste momento,
ergue a ti um monumento,
um imenso mural,
pintado com a nossa alegria,
na batalha feliz deste dia,
“Guerra e Paz” do carnaval.
Histórico:
Candido Portinari
nasceu no dia 29 de dezembro de 1903, numa fazenda de café em
Brodowski, no Estado de São Paulo. Filho de imigrantes italianos, de
origem humilde, recebeu apenas a instrução primária e desde criança
manifestou sua vocação artística. Aos quinze anos de idade foi para
o Rio de Janeiro em busca de um aprendizado mais sistemático em
pintura, matriculando-se na Escola Nacional de Belas Artes. Em 1928
conquista o Prêmio de Viagem ao Estrangeiro da Exposição Geral de
Belas-Artes, de tradição acadêmica. Vai para Paris, onde permanece
durante todo o ano de 1930. Longe de sua pátria, saudoso de sua
gente, Portinari decide, ao voltar para o Brasil em 1931, retratar
nas suas telas o povo brasileiro, superando aos poucos sua formação
acadêmica e fundindo a ciência antiga da pintura a uma personalidade
experimentalista a antiacadêmica moderna. Em 1935 obtém seu primeiro
reconhecimento no exterior, a Segunda Menção Honrosa na exposição
internacional do Carnegie Institute de Pittsburgh, Estados Unidos,
com uma tela de grandes proporções intitulada CAFÉ, retratando uma
cena de colheita típica de sua região de origem.
A
inclinação moralista de Portinari revela-se com vigor nos painéis
executados no Monumento Rodoviário situado no Eixo Rio de Janeiro –
São Paulo (na hoje “Via Dutra”), em 1936, e nos afrescos do novo
edifício do Ministério da Educação e Saúde, realizados entre 1936 e
1944. Estes trabalhos, como conjunto e como concepção artística,
representam um marco na evolução da arte de Portinari, afirmando a
opção pela temática social, que será o fio condutor de toda a sua
obra a partir de então. Companheiro de poetas, escritores,
jornalistas, diplomatas, Portinari participa da elite intelectual
brasileira numa época em que se verificava uma notável mudança da
atitude estética e na cultura do país: tempos de Arte Moderna e
apoio do mecenas Getúlio Vargas que, dentre outras qualidades soube
cercar-se da nata da intelectualidade brasileira de seu tempo.
No
final da década de trinta consolida-se a projeção de Portinari nos
Estados Unidos. Em 1939 executa três grandes painéis para o pavilhão
do Brasil na Feira Mundial de Nova York. Neste mesmo ano o Museu de
Arte Moderna de Nova York adquire sua tela O MORRO. Em 1940,
participa de uma mostra de arte latino-americana no Riverside Museum
de Nova York e expõe individualmente no Instituto de Artes de
Detroit e no Museu de Arte Moderna de Nova York, com grande sucesso
de público, de crítica e mesmo de venda (menor das preocupações do
Artista…)
Em
dezembro deste ano a Universidade e Chicago publica o primeiro livro
sobre o pintor, PORTINARI, HIS LIFE AND ART, com introdução do
artista Rockwell Kent e inúmeras reproduções de suas obras. Em 1941,
Portinari executa quatro grandes murais na Fundação Hispânica da
Biblioteca do Congresso em Washington, com temas referentes à
história latino-americana. De volta ao Brasil, realiza em 1943 oito
painéis conhecidos como SÉRIE BÍBLICA, fortemente influenciado pela
visão picassiana de Guernica e sob o impacto da 2ª Guerra Mundial.
Em 1944, a convite do arquiteto Oscar Niemeyer, inicia as obras de
decoração do conjunto arquitetônico da Pampulha, em Belo Horizonte,
Estado de Minas Gerais, destacando-se o mural SÃO FRANCISCO e a VIA
SACRA, na Igreja da Pampulha. A escalada do nazi-fascismo e os
horrores da guerra reforçam o caráter social e trágico de sua obra,
levando-o à produção das séries RETIRANTES e MENINOS DE BRODOSWKI,
entre 1944 e 1946, e à militância política, filiando-se ao Partido
Comunista Brasileiro e candidatando-se a deputado, em 1945, e a
senador, 1947. Ainda em 1946, Portinari volta a Paris para realizar
sua primeira exposição em solo europeu , na Galerie Charpentier. A
exposição teve grande repercussão, tendo sido Portinari agraciado,
pelo governo francês, com a Légion d!Honneur. Em 1947 expõe no salão
Peuser, de Buenos Aires e nos salões da Comissão Nacional de Belas
Artes, de Montevidéu, recebendo grandes homenagens por parte de
artistas, intelectuais e autoridades dos dois países.
O
final da década de quarenta assinala o início da exploração dos
temas históricos através da afirmação do muralismo. Em 1948,
Portinari exila-se no Uruguai, por motivos políticos, onde pinta o
painel A PRIMEIRA MISSA NO BRASIL, encomendado pelo banco Boavista
do Brasil. Em 1949 executa o grande painel TIRADENTES, narrando
episódios do julgamento e execução do herói brasileiro que lutou
contra o domínio colonial português. Por este trabalho Portinari
recebeu, em 1950, a medalha de ouro concedida pelo Juri do Prêmio
Internacional da Paz, reunido em Varsóvia.
Em
1952, atendendo a encomenda do Banco da Bahia, realiza outro painel
com temática histórica, A CHEGADA DA FAMÍLIA REAL PORTUGUESA À BAHIA
e inicia os estudos para os painéis GUERRA E PAZ, oferecidos pelo
governo brasileiro à nova sede da Organização das Nações Unidas.
Concluídos em 1956, os painéis, medindo cerca de 14×10 m cada – os
maiores pintados por Portinari – encontram-se no “hall” de entrada
dos delgados de edifício-sede da ONU, em Nova York. Em 1955, recebe
a medalha de ouro concedida pelo Internacional Fine-Arts Council de
Nova York como o melhor pintor do ano. Em 1956, Portinari viaja a
Israel, a convite do governo daquele país, expondo em vários museus
e executando desenhos inspirados no contado com recém-criado Estado
Israelense e expostos posteriormente em Bolonha, Lima, Buenos Aires
e Rio de Janeiro. Neste mesmo ano Portinari recebe o Prêmio
Guggenheim do Brasil, a Menção Honrosa no Concurso Internacional de
Aquarela do Hallmark Art Award, de Nova York. No final da década de
cinquenta, Portinari realiza diversas exposições internacionais.
Expõe
em Paris e Munique em 1957. É o único artista brasileiro a
participar da exposição 50 ANOS DE ARTE MODERNA, no Palais des Beaux
Arts, em Bruxelas, em 1958. Como convidado de honra, expõe 39 obras
em sala especial na I Bienal de Artes Plásticas da Cidade do México,
em 1958. No mesmo ano ainda, expõe em Buenos Aires. Em 1959 expõe na
Galeria Wildenstein de Nova York e, juntamente com outros grandes
artistas americanos como Tamayo, Cuevas, Matta, Orozco, Rivera,
participa da exposição COLEÇÃO DE ARTE INTERAMERICANA, do Museo de
Bellas Artes de Caracas. Candido Portinari morreu no dia 06 de
fevereiro de 1962, quando preparava uma grande exposição de cerca de
200 obras a convite da Prefeitura de Milão, vítima de intoxicação
pelas tintas que utilizava.
Alexandre Louzada |