Gosto que me
enrosco
‘Stamos em pleno mar... Abrindo as velas
Ao quente arfar das virações marinhas,
Veleiro brigue corre à flor dos mares
Como roçam na vaga as andorinhas...
(Versos de: “O Navio Negreiro” de Castro Alves)
Sambavam,
nas poucas horas de folga. Esperavam dias melhores. A maioria deles,
não sabia exatamente qual era o significado de sambar. Seria uma volta
a tempos idos, ancestrais, época de escravidão. Mexiam livremente
com o corpo. Havia um lamento em cada compasso.
E, o carnaval chegou. Teria durado uma semana o carnaval carioca.
A partir do Domingo da Páscoa, 31 de março de 1641. Com o Governador
Salvador Correa de Sá e Benevides. Desfilava, pelas ruas acompanhado
por 166 cavaleiros dando “vivas” a subida do trono de Don João IV,
o restaurador da Monarquia Portuguesa.
Os estudantes do Colégio dos Jesuítas, foram os maiores foliões durante
os séculos XVII e XVIII. Certa vez, teriam organizado um desfile com
o enredo “ONZE MIL VIRGENS”. Só mais tarde, o carnaval brasileiro
passou a ter cunho popular e a ser realizado periodicamente, com elementos
do folclore, tanto de origem negra como portuguesa.
Nos tempos coloniais, havia o entrudo, uma das tradições que herdamos
dos portugueses. Os foliões convidavam ao entrudo, que consistia em
jatos d’água esguichados com bisnagas, ou mesmo atirados em baldes.
Os limões-de-cheiro, fabricados com cera e com recheio de água perfumada,
eram mais galantes.
A imprensa, desenvolvia unia campanha contra. A favor de um carnaval
ao estilo das festas européias, principalmente das venezianas.
A sua decadência, atrai a imaginação popular para a confecção das
máscaras, feitas de cera muito fina ou de papelão. Simulavam caras
de cão, de gato ou de porco. Cabeças articuladas com bigodes e barbas,
olhos que piscavam e queixos móveis. O primeiro baile de máscaras
em teatros cariocas, foi feliz idéia de unia atriz estrangeira. Abram
alas para as colombinas. O aparecimento desses bailes foi de grande
importância para a participação da mulher no carnaval. Festa que antes,
na opinião de quase todos os pais, moça de família não deveria participar.
Do entrudo, passou o folião carioca às batalhas de flores copiadas
do carnaval de Nice. As batalhas de confete, do Carnaval de Nápoles.
Não se sabia ainda, o que eram: cuícas, tamborins e demais instrumentos
de percussão, que integram as baterias das Escolas de Samba de hoje.
O bumbo, ou zabumba, surge no carnaval introduzido por um português,
conhecido por Zé Pereira, tradição durante meio século.
Dele, evoluíram os cordões e blocos que passaram a usar, além do bumbo,
cuícas, tamborins, pandeiros e frigideiras.
Surgem as primeiras sociedades carnavalescas em 1850. O Congresso
das Sumidades Carnavalescas foi pioneira. Vieram os Tenentes do Diabo,
dos Fenianos e Democráticos. Foram associações importantes também
para a Abolição da Escravatura. Coletavam dinheiro em suas passeatas
para comprar e alforriar escravos.
Dançavam a quadrilha, o xote, a valsa, a polca. A partir de 1870,
o maxixe, a dança excomungada. Primeira dança nacional (uma mistura
de polca com lundu africano).
Ao final do século passado, os trabalhadores do cais do porto (negros,
mestiços, mulatos), deram início ao samba. Os maxixes aproximaram-se
do samba urbano de hoje. Concentravam-se nas imediações da Pedra
do Sal, no bairro da Saúde, nesta “Sebastinópolis”, verdadeiro
reduto de usos e costumes trazidos da Bahia.
Nascem os primeiros ranchos que deram outra feição ao carnaval carioca.
Desfilavam com enredos cheios de esplendor, arte e riqueza.
Os baianos residentes no Rio, ao trazer seus rituais religiosos e
festivos, danças e representações folclóricas, encontraram no carnaval
um novo centro de interesse. O carnaval torna-se, nas zonas urbanas,
especialmente em Salvador, Rio e Recife, um catalisador do folclore.
Chama a si e incorpora os cucumbis baianos, o maracatu de Pernambuco,
os congos e congadas, as taieiras e o quilombo.
Iniciou-se por esse tempo, o carnaval de rua hoje conhecido. Os cariocas
que iam participar dos festejos públicos, desembarcavam dos bondes
estacionados em lugares determinados, antecipadamente anunciados pela
imprensa.
O carnaval de 1897, foi um fracasso nas ruas do Centro. Sem graça,
para as ruas do Ouvidor e vizinhanças. É que Madureira resolvera fazer
sua própria festa com palanques, coretos e bandas de musica, em sua
praça principal. Outros subúrbios seguiram o exemplo. Nascia o carnaval
de rua dos bairros.
Do início deste século em diante, o carnaval modifica-se constantemente.
A Praça Onze transbordava. Dos lados do Cais do Porto e do Mangue,
ouvia-se um baticum forte de tambores. O bonde lotado, despejava piratas,
odaliscas, malandros de chapéu-palhinha cetins e lamês brilhantes.
Bigodes e cavanhaques postiços. Cheiro de suor e do lança-perfume
Rodo Metálico. A classe média desfilava de pierrô colombina e arlequim.
Os automóveis abertos, ou corsos, eram a novidade. A marchinha “Ó
Abre-Alas”, de Chiquinha Gonzaga, era invencível desde 1899. Mas
cedia a vez ao tango-chula “Vem Cá, Mulata”. A iluminação a
gás era substituída pela elétrica.
“Pelo Telefone”, primeiro samba, abriu caminho para o novo
ritmo que chegava. Nos anos 20, a difusão do rádio ameaçava esvaziar
os Teatros de Revista. A Festa da Penha, depois do carnaval, seria
o maior acontecimento popular do Rio. Acontecia o início do carnaval,
pelo menos ao que se referia à música. Compositores lançavam suas
obras, já de olho no carnaval seguinte. Multidões acorriam ao subúrbio.
Daí a razão dos lançamentos ali. Composição consagrada na Penha, seria
êxito indiscutível em fevereiro.
Os velhotes de bengala e polaina paqueravam as damas na Confeitaria
Colombo.
O samba adquiria seu ritmo próprio e envolvente. Surgia no Estácio
a “Deixa Falar”, com idéia diferente dos ranchos, na coreografia e
na organização.
O aparecimento das Escolas de Samba, decretou a decadência dos ranchos.
Copiam-se suas características e modelos.
Enquanto dançava-se o charleston, cantava-se:
Taí
Eu fiz tudo pra você gostar de mim
O meu bem
Faz assim comigo não
Você tem
Você tem
Que me dar seu coração.
Desde a melindrosa e o almofadinha, até o negrinho batuque, cantarolando
um samba no gabinete do Ministro, o grande sucesso era “Gosto que
me enrosco”. A cuíca, o surdo, o tamborim, o pandeiro, o ganzá
e o reco-reco, foram tocados pela primeira vez nos estúdios, para
a gravação de “Na Pavuna”. Os gatos vadios, para a vitória dos tamborins,
foram sacrificados para a renovação dos ritmos de carnavalescos.
Na década de 30, publicidade era “reclame”. Tomava-se banho com “Carnaval
um amor de sabonete”. Ia-se, “Ao samba que você me convidou com roupas
da Casa Mathias”. Entrava no ar “O Programa Casé”. O cinema falado,
estava em todas as telas. As rádios tocavam a música popular brasileira,
que vivia a sua época de ouro, com seus intérpretes e autores. Nos
salões, “O teu cabelo não nega”. Na Praça Onze, o primeiro desfile
das Escolas de Samba. Começava uma tradição no carnaval carioca: a
do grande “Baile de Gala do Teatro Municipal”. A “Deixa Falar” desaparece.
Por coincidência, nesse primeiro carnaval sem a escola pioneira, o
povo cantava:
“Quando eu morrer
Não quero choro nem vela
Quero uma fita amarela
Gravada com o nome dela”
Sucessos como: “Agora é cinza”, “O orvalho vem caindo” e “Linda a
lourinha”.
Acontecia a primeira de tantas vitórias da Portela. Surgia a marcha
“Cidade Maravilhosa”. Passou à história como hino oficial da Cidade
do Rio de Janeiro.
O grande sucesso alcançado pelas músicas de carnaval na “fase de ouro”,
era em conseqüência à fidelidade aos problemas do dia-a-dia do povo.
Crítica aos políticos, até a descrição das dificuldades da vida. A
censura atinge o auge. Transformam-se letras como: “O bonde São Januário
leva mais um otário / sou eu que vou trabalhar”, em “Leva mais um
operário”.
Nos primeiros anos do pós-guerra, o rádio sofre uma invasão de autores
improvisados e intérpretes de segundo time, atraídos pelo lucro do
carnaval. Inicia-se a frase da caitituagem.
A música de carnaval, hoje, deixa de unificar a cidade. Não existem
mais as letras que permitam um diálogo entre os foliões. Os sambas
e marchinhas deixam de significar alguma coisa...
Tem razão, nesse sentido a “Marcha da Quarta-Feira de Cinzas”:
“Acabou nosso carnaval
ninguém ouve cantar canções
...E no entanto é preciso cantar”
“Vão acabar com a Praça Onze
Não vai haver mais Escola de Samba, não vai...”
Sacrificaram o reduto pioneiro do samba, para a abertura da grande
avenida. Choraram os tamborins, chorou o morro inteiro, mas o samba
continuou.
“A Escola de Samba não morreu, nem morrerá” (Sérgio Cabral)
Já vai longe o tempo em que um grupo se reunia na casa da Tia Ciata.
Aí nasceu o primeiro samba gravado.
Resta o consolo de que, o carnaval vale pela descontração e consiste
em criar um ânimo novo. Com pessoas acreditando mais nas coisas e
nos homens. As Escolas de Samba, ainda estão aí: luxuosas, coloridas,
desfilando os amores pomposos, os mundos encantados e misteriosos,
como o povo gosta.
A sua antiga pureza desapareceu, industrializadas ou não, o fato é
que elas continuam sendo o grande, talvez o único, espetáculo desse
nosso antigo carnaval de rua.
É preciso cantar e alegrar a cidade. As Escolas de Samba não se deixaram
abater pelos modismos de cada época. Adaptaram-se. Levantaram, sacudiram
a poeira e deram a volta por cima.
“...Por tudo isso, e muito mais, as Escolas de Samba são uma fatalidade
histórica neste universo de influências, transmutações, conceituações
estéticas e evocações que constituem a contribuição do negro africano
à miscigenação da cultura brasileira...
...a magia do domingo, fazem das escolas legítimas herdeiras da sensação
que invadia o negro quando exclamava ao se preparar para os festejos
dos congos: É HOJE!”
(trecho do livro “É hoje “, de Haroldo Costa)
EVOÉ CARNAVAL
José Felix

Bibliografia:
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Francisco Alves Ltda, 1979
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ALENCAR, Edigar de. Nosso Sinhô do Samba. Funarte, 1981.
MOURA, Roberto. Tia Ciata e a pequena África no Rio de Janeiro.
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EFEGE, Jota. Ameno Resedá - o Rancho que foi Escola. Letras e Artes.
1965.
LELRIS, Michel, DELANGE, Jacqueline. África Negra, La Creación Plástica.
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CABRAL, Sérgio. Escolas de Samba. Fontana, 1974.
EDMUNDO, Luís. O Rio de Janeiro de meu tempo. Xenon Editora, 1987.
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1958
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Cultura - Prefeitura Cidade Rio de Janeiro, 1991.
EFEGÊ, Jota. Maxixe, a dança excomungada. Conquista, 1974.
LIRA, Matiza. Chiquinha Gonzaga. Funarte, 1978.
THEREZA, Maria, SOARES, Mello. São Ismael do Estácio - o sambista
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EFEGÊ, Jota. Figuras e coisas do carnaval carioca. Funarte, 1982.
BARBOSA, Orestes. Samba. Funarte, 1978.
JR., R. Magalhães. Dois séculos de folia. Revista Manchete, 1972.
COSTA, Haroldo. E Hoje - As Escolas de Lan. Irmãos Vitale S.A., 1978.
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