FICHA TÉCNICA 2001

 

Carnavalesco     Chiquinho Spinoza
Diretor de Carnaval     João Paredes
Diretor de Harmonia     Vlaudemir Candimba
Diretor de Evolução     Vlaudemir Candimba
Diretor de Bateria     Marcelo Campos Silveira (Mestre Celinho)
Puxador de Samba Enredo     Wantuir
Primeiro Casal de M.S. e P. B.     Gleice Simpatia & Paulo Roberto
Segundo Casal de M.S. e P. B.     Marcílio & Renata
Resp. Comissão de Frente     Marcelo Misailidis
Resp. Ala das Baianas     Maria Cecília de Souza (Lia)
Resp. Ala das Crianças     Departamento Feminino

 

SINOPSE 2001

Tijuca com Nelson Rodrigues pelo Buraco da Fechadura

"Sou um menino que vê o amor pelo buraco da fechadura. Nunca fui outra coisa. Nasci menino, hei de morrer menino. E o buraco da fechadura é, realmente a minha ótica de ficcionista. Sou (e sempre fui) um anjo pornográfico."

Nelson Rodrigues

Parte: Anjo Pornográfico

A Origem:

          1912 - no dia 23 de agosto, num clima de revolução da conturbada política pernambucana, no exuberante cenário da nossa Veneza brasileira dos arrecifes (RECIFE), abre os olhos para a realidade além-útero o menino anjo, para o qual a crueza da vida como ela é, açoitaria sua personalidade e sua inacreditável, fascinante e trágica trajetória pelo nosso mundo.
          A vida de Nelson Rodrigues e de sua família é um verdadeiro acervo de emoções e um palpitante romance que ofusca até mesmo suas histórias, nos arrastando para sua realidade ainda mais dramática do que seus escritos.
          Sua trajetória engatinhando como repórter policial no jornalismo, área de domínio de sua família, o brilho no Teatro que o consagraria, suas crônicas que enriqueceram o nascente cinema brasileiro e o fascínio pelo futebol e sua infatigável e eclética produção literária fazem-no um marco em nossa cultura.
          Apesar desta fenomenal produção o único espaço em que ele é reconhecido unanimamente é o do teatro, o qual nem sempre foi seu palco principal e se houve um, foi o do JORNAL.
          Poucos sabem que o restante de sua produção é tão genial quanto seu teatro, e os que sabem não se conformam que o mundo não saiba.
          Este enredo é uma dose de reabilitação da figura polêmica e brilhante de Nelson Rodrigues para o qual até mesmo seus piores inimigos não lhe negaram o talento e não foram poucos os que o chamaram de GÊNIO.

2ª PARTE: O Jornalismo

          As redações dos jornais no Rio anos 20 tinham muito em comum uma sala comprida, muitas escrivaninhas, cabides para os chapéus, telefones de manivela e máquinas de escrever que poucos sabiam usar pois a maioria dos redatores escrevia a mão com penas-tinteiro, alguns usavam viseiras como nos filmes, e escrever era o dom de família de Nelson Rodrigues.
          Seu pai, Mário Rodrigues, com a experiência adquirida no JORNAL DA REPÚBLICA" e "JORNAL DO RECIFE", em Pernambuco, lhe habilita a fundação de seu próprio jornal, chamado "A MANHÃ", no Rio de Janeiro onde Nelson aos 13 anos e meio iniciava sua vertiginosa e brilhante carreira de jornalista, criando seu próprio jornalzinho intitulado "ALMA INFANTIL".
O sucesso das reportagens de crimes passionais, tão comuns naquela época, enriquecidas pelo talento mórbido de Nelson Rodrigues, que sempre às voltas com a morte, o levava a não perder os velórios da vizinhança da rua, aliás, pródigas em cenas impressionáveis.
          Ë precisamente esta sensibilidade pelo lúgubre, pela paixão desenfreada, pelo sexo ultrajante e luxúria que o fortaleceria para escrever suas quase incontáveis e deslumbrantes crônicas que viriam a ser filmes de grande sucesso do cinema brasileiro. Sua facilidade para emprestar carga dramática aos fatos mais corriqueiros das ruas, munido apenas de dados essenciais era suficiente para ele navegar pelo tema da paixão proibida e do amor impossível, eternizado pelo pacto de morte.
          Requintes de descrição e uma capacidade para imaginar diálogos e cenários prendia o leitor por várias edições. Das crônicas empavonadas que Nelson gostava de exibir, sempre em espaços nobres dos jornais, "ZOLA’, sua última crônica no "A MANHÃ" é uma fundamentada argumentação de que a sociedade melhora quando se lhe expõem os podres.
Apenas 49 dias depois de perder o jornal "A MANHÃ" para seu sócio, Mário Rodrigues lança seu novo jornal e o de mais escandaloso sucesso: "CRÍTICA" inédito tanto no projeto gráfico de exuberância visual como no estardalhaço das manchetes e textos, do qual se gabava de ser o matutino de maior circulação do Brasil: 130 mil exemplares.

3ª Parte: O Teatro

          Com Nelson Rodrigues completara-se no palco a semana de Arte Moderna de 1922 com a fundação do moderno teatro brasileiro, na mesma relação de Carlos Drummond para a poesia, VilIa Lobos para a música, Portinari para a pintura e Oscar Niemeyer para a arquitetura. Este é, realmente, o peso de sua obra na cultura brasileira.
          Transformou-se num dos mais udos, republicados e encenados escritores brasileiros, tendo por maior mérito a transposição para a literatura a linguagem das ruas do Rio de Janeiro, intérprete de um jeito brasileiro de ser que o endeusaria, no qual se confundem preconceitos, taras e miséria espiritual, que frutifica numa alquimia monetária garantida, com sexo, violência e infelicidade.
          Nelson Rodrigues tornou-se um obsessão, suas peças não saem de cartaz, na televisão "A vida como ela é..." era quadro fixo no programa Fantástico, e no cinema já foram exibidos vinte filmes inspirados em suas obras.
          Personagens vazios, esquemáticos e repetitivos adquirem ares de figuras trágicas e a tara, explicação última para a psicologia deles, vira explicação de tudo.
          Ele escreveu dezessete peças de teatro e deixou como herança um morticínio que, diga-se, também estão presentes nos clássicos gregos e shakesperianos mas, no entanto, eles servem tão somente de chamariz de bilheteria, exatamente como na frase de um de seus personagens "Assim é o povo: tem fome de sangue e excremento’.
          Nelson Rodrigues foi um revolucionário em vários sentidos, mas principalmente no setor mais eleborado e acabado de sua produção: a obra de dramaturgo.
          Não há crítico ou historiador de teatro que não tenha exaltado o impacto de "VESTIDO DE NOIVA", encenado em 1943, no Rio.
          Ele se opunha a uma visão do teatro como algo fútil e inconsequente, inovando ao romper com os preceitos de unidade de tempo e ação, misturando realidade, a memória e os sonhos da personagem central. Quanto a linguagem trazia a novidade do diálogo econômico, direto e coloquial, no qual, praticamente, se inventa um idioma num mundo de traição, golpe baixo e falta de escrúpulos.
          A chave única para explicar as tragédias da vida, segundo Nelson, e o grande traço do caráter nacional brasileiro de que somos todos canalhas, não por opção - que teríamos o direito de recusar, mas por destino, com o qual temos que nos conformar e interpretar as crônicas de nossas próprias vidas.
          Forte em todos os setores, principalmente na política e esporte, porém, a grande sensação era última página dedicada aos crimes. Diariamente se descobria um caso aterrador do submundo carioca e toda sorte de adultérios e os explorava até o último pingo de sangue ou esperma.
          Numa temporada em Recife, em 1929, redescobrindo a terra natal, mergulhou fundo na boemia local, experiência que ressurgiria muito tempo depois em sua talvez maior peça de teatro: "SENHORA DOS AFOGADOS".
          Nelson até mesmo em brincadeiras com os primos, era mórbido em suas encenações de teatro adolescente como fingir-se de atropelado, horrorizando seus tios. Teria pela frente muitos atos daquelas encenações infantis, porque de repente, com a rapidez de uma bala, a família Rodrigues seria protagonista de uma cena trágica com o irmão Roberto, e seriam atirados a vida real.
          Sua marcante passagem no jornal de Roberto Marinho "O GLOBO" junto com seus irmão Mário e Joffre, transformou o futebol em algo para vender jornal, revolucionando a crônica esportiva. O futebol parecia ser seu destino, porém, um convite para o lançamento de um novo jornal seria um salto mortal em sua vida: "ÚLTIMA HORA" onde escreveu sua mais famosa obra: "A VIDA COMO ELA É" título de uma coluna baseada num fato real da atualidade que a um toque da pena de Nelson se desenrolava um fascinante enredo que incendiava a cidade e mais tarde o reconciliaria com o teatro.

4ª Parte: As Crônicas

          Nelson Rodrigues escritor de massas, acabaria por se incorporar a paisagem brasileira desnudando o caráter da classe média que dá o tom da alma brasileira nas crônicas fascinantes de um Brasil torrado ao sol dos subúrbios cariocas, violento e familiar, ingênuo, trágico e sedutor como a vida realmente é. Através de suas crônicas Nelson trouxe o Brasil aos palcos.
          O que o singulariza é que sua obra desabrochou, não de uma intelectualidade de gabinete, mas nas redações de jornais, nas delegacias de polícia, estádios de futebol e na sua incrível popularidade.
          Populares não eram apenas suas peças, suas personagens e frases eternas, mas também uma grande, e talvez a maior, personagem de si próprio. Ele era um tema central e constante nas obsessões de suas crônicas, como o designavam "flor-de-obsessão".
          Nelson flor-de-obsessão passava e repassava o filme de sua infância para explicar e justificar o Nelson adulto, que olha a vida pelo buraco da fechadura, moralista e obsceno, e como nas peças, também em suas crônicas, vemos a persistência do sexo e morte como tema, e como houve morte na vida real de Nelson!
          A tragédia estava plantada na existência do grande cronista brasileiro, e as mortes todas foram tema de suas "Confissões", e certo que como autor trágico, ele procura nos atingir nas matrizes socias mais profundas do nosso ser.
Desnudando toda a terrível crueza da condição humana, não permite a redenção a nenhum de seus personagens, nem mesmo nos momentos mais poéticos, cometendo o equívoco de considerar o homem um animal irreversivelmente degradado que se enredam em conflitos ultrajantes que só encontram solução no aniquilamento.
          A vida para Nelson Rodrigues, não foi menos cheia de surpresas e amarguras do que sua obra, mas ao final de sua vida já pacificado pelos embates e num Brasil menos conflitado abrandou o tom de suas crônicas e, depois de um período de enfrentamentos, sua arte voltou a ser reconhecida pela elite intelectual como algo importante na cultura deste país.

5ª Parte: O Futebol

          Antes da conversão, sem dor, para o Fluminense o futebol já existia para Nelson como fervoroso torcedor do Andaraí, time da região da Aldeia Campista. Naturalmente, ele não faria carreira como jogador de futebol e seu interesse pelo jogo iria diminuir à medida que descobria que não estava tão interessado na bola, e sim no homem que a chutava.
          O que importava era a ‘pátria em chuteiras", o flagoroso grito de vitória na conquista do milagre das três Copas. Para Nelson era o esplendor da saúde do povo brasileiro, algo além do que os olhos podiam ver, a pulsante vitalidade que o esporte viria instilar nas artérias verde-amarelas.
          Sua capacidade de criar personagens não se limitava ao teatro, criava-os também nos campos de futebol, dando-lhes apelidos que os eternizaram.
          O mundo da bola, esse objeto mágico, surrado pelas chuteiras imortais, conta como o Brasil saiu da penumbra de uma depressão para a glória mundial na conquista do tricampeonato, era mais um dos cenários que seria povoado pela imaginação fértil de Nelson Rodrigues, que fala de vitórias e derrotas e deixa um lição para a posteridade: ‘sem alma não se chupa nem um picolé, muito menos se joga uma Copa do Mundo".
          E foi repleto de alma auri-verde que o futebol ascendeu o Brasil qual estrela de cinema, no cenário internacional.

6ª Parte: O Cinema

          Ninguém podia ser mais plástico, engraçado e polêmico ao escrever do que Nelson Rodrigues; escreveu com seu nome, pseudônimos e com nome de outros. Conheceu de perto os algozes, carrascos, censores e toda gama de poderosos do regime vigente e, ao mesmo tempo, era um homem identificado com o povo.
          A televisão tornou-o ainda mais popular, era o inventor do teatro brasileiro moderno, provou o sucesso, o fracasso, o gosto da morte... e tudo em escala superlativa.
          De fato, só o currículo profissional já impressiona: reportagens policiais, futebol, crítica, crônica, conto e folhetim. Fez parte de jornais e revistas no berço, na plenitude e na morte, atravessando todas as revoluções gráficas e estilísticas da imprensa e acompanhou as revoluções e as transformações políticas do país. Tinha e sempre tem muito para contar e sabe contar como ninguém.
          É um filme?
          Não. É o fantástico gênio da grafia da vida que no seu vôo pelo nosso mundo legou a cada um de nós um sopro de sua arte imortal, como centelha estimulante de humor, graça e compaixão.
          O cinema brasileiro descobriu um filão: Nelson Rodrigues sobrevivente da torturante censura, que paralisava qualquer produtor, na monótona perseguição de suas obras como se fossem uma ameaça ao tecido social.
          Nelson se caracteriza pelos seus apaixonantes personagens que povoam seu rico e inesgotável acervo literário e realizam nossas próprias misérias inconfessas.
          Assistiria uma grande ressurreição cinematográfica, numa rara combinação de sucesso comercial e de crítica, entusiasmando o público pelo cinema nacional.
          Sua trajetória, de escritor maldito a gênio, pelo cenário cultural brasileiro com sua marcante e indecifrável personalidade, atrai e capta nossa admiração transformando-o numa estrela que sobe.

7ª Parte: O Menino Anjo

          A reconstituição da assombrosa história de Nelson Rcdrigues, que é mais espantosa do que qualquer uma de suas histórias e da vida trágica de sua família, é capaz de confundir até mesmo o mais devotado admirador.
          Ele é louco ou gênio? Tarado ou santo? Reacionário ou revolucionário? Nenhum escritor brasileiro foi tão polêmico e como se todos os pecados e sofrimentos infligidos em suas obras, migrando para sua vida real, o cobrisse com o manto da redenção imbuindo sua imagem com uma aura de vida imortal que só os homens que realizam plenamente seus destinos são contemplados.
          Assim é Nelson, o eterno menino-anjo para o qual até a "pátria em chuteiras", num jogo internacional, guardou um minuto de silêncio, paralisando a partida para homenagear sua chegada ao zênite das estrelas.
          Do cenário de sua vida, extraiu a riqueza de sua obra nas vidas de seus inesquecíveis e imortais personagens, vivendo intensamente os óbvios ululantes, aos quais muitos não creditam importância. Nelson como um garimpeiro, lapidador e ouvires fabricou suas perenes jóias literárias que, mesmo sem a toga, o fizeram alçar vôo para a imortalidade.
          Viveu, cresceu e maturou sua arte, mas continuou sempre sendo o menino-anjo pornográfico que via a vida pelo buraco da fechadura.

Chico Spinosa

 

SAMBA ENREDO                                                2001
Enredo     Tijuca com Nelson Rodrigues pelo Buraco da Fechadura
Compositores     Vicente das Neves, Gilmar L. Silva, Douglas e Toninho Gentil

Fez da Vida como ela é
Desenhou com arte o melhor que viu
Profano ou Querubim

Mostrou que o Mundo é mesmo assim
Meu Universo é Nelson
À Terra do frevo eu vou
Aos amores mando um beijo
Do mais puro ao sedutor
Com a essência da verdade sem pudor!

Nelson Rodrigues, Teu pecado é humor
E a Tijuca apaixonada
Traz este gênio jornalista e escritor

Gira, Gira no meu verso, quero ver girar
Hoje tem porno-chanchada

Vem gargalhar

A Dama do Lotação
Flor de Obsessão
Sem preconceito, Sem Censura
Luxúria, Volúpia Talvez
Será castigada a nudez
Fantasia, Loucura Sobrenatural
Neste asfalto selvagem
Eu faço a viagem no meu carnaval

Foi na Visão do Teu Olhar no meu olhar
Que eu enxerguei a vida
Nosso show está no ar                     
Teatro, Cinema, TV
O Futebol é devoção, é meu prazer