Ouvindo tudo que
vejo, vou vendo tudo que ouço
Sinopse
A Unidos
da Tijuca prepara para o Carnaval de 2006 um desfile capaz de provocar,
através de imagens, a emoção despertada pela música. Evocando da memória
algumas cenas musicais que marcaram época, a Tijuca compõe um delicioso
pout-pourri a ser regido pela batuta de um dos mais irreverentes
mestres da música: Wolfang Amadeus Mozart. Esse maestro e compositor
excepcional, de espírito inquieto e bem-humorado, traz a marca da
vivacidade musical. Antes dele, a ópera tratava de assuntos épicos
utilizando melodias cantadas de forma rebuscada. Mozart foi o primeiro
compositor a romper com o tradicionalismo da ópera e criar comédias
e dramas populares.
A Tijuca convida esse espirituoso gênio da música universal para reger
uma obra singular: uma ópera de rua em sete atos. A música deixa de
ser apenas um dos elementos que compõem a estrutura da ópera para
subir ao palco e ser homenageada, pela primeira vez, como tema. Ao
invés de ser ouvida, será vista e, a cada cena do desfile, provocará
nossa memória a revisitá-la, num movimento estimulado pela fantasia.
Essa obra, no entanto, não poderia ser representada nas seletivas
salas de concerto. Busca sua inspiração no gosto mais popular. Aquele
que agita bailes de carnaval, pistas de dança, festivais, corações
e mentes das platéias dos cinemas e dos programas de auditório. Na
passarela do samba, Amadeus rege a trilha de imagens musicais, despertando,
em nosso inconsciente, emoções vividas em diferentes épocas e lugares.
No meio
da multidão será o primeiro ato a ser apresentado. O palco
se transforma no cenário de um salão e cada ala representa uma animada
marchinha de carnaval. São crônicas de suas épocas que sobrevivem
até hoje na folia e na memória popular. Pastorinhas, mascarados, arlequins,
pierrôs e colombinas continuam se apaixonando nos bailes de carnaval.
Misturam-se a outros personagens engraçados e irreverentes, cantando
e dançando até o dia clarear.
Pro
samba que você me convidou é o segundo ato. Conduz aos bares das
esquinas, às rodas animadas, às quadras das escolas, aos encontros
ao som de um batuque que convida: "leva aí!". E com que
roupa eu vou? Vou de enredo, de pagode, de batucada; no jeito carioca,
baiano, paulista; no jeito brasileiro de cantar a poesia e a beleza
de cada canto do país, que faz a crítica, que satiriza, que brinca,
que sente saudade. Tantas variações de cadência no samba traduzem
a riqueza e a criatividade de um dos maiores símbolos da cultura nacional.
O Maestro segue ao encontro das platéias. Comportadas e atentas
no escurinho do cinema, se emocionam ao som das trilhas musicais de filmes
que marcarão suas vidas. Choram, suspiram, sorriem, estremecem. A
música suspende a imagem, eterniza o beijo, congela a respiração,
revira os sentimentos e grava na memória os acordes que tocam a alma
e a lembrança.
O som das platéias se altera repentinamente.
Nas arquibancadas, as
torcidas gritam, torcem, enlouquecem para defender a música preferida.
O aplauso ou a vaia conduz ao caminho da fama. O silêncio condena
ao anonimato. A disputa dos Festivais revela grandes intérpretes e
composições, arrasta multidões, divide opiniões, seleciona aqueles
que serão gravados, que serão ouvidos e eternizados.
E quem comanda o show? Convida as platéias a aplaudir, vaiar, classificar?
O espetáculo invade a nossa casa, o sofá vira arquibancada, a torcida
se multiplica. A audiência determina o que vai tocar no rádio, no
radinho de pilha, na telinha. Os programas de auditório revelam grandes
sucessos, levam ao trono reis e rainhas de nossa música que encantam,
como em um movimento allegro cotidiano.
E como eram grandes os nossos LPs girando nas vitrolas!!! Hoje, contracenam
com os minúsculos CDs que impõem um ritmo frenético nas pistas
de dança. Estão nas mãos de acrobáticos DJs que percorrem diferentes
épocas e estilos, levando a galera ao delírio. A performance é animada
pela combinação entre ritmo e caracterização. Os ídolos contagiam
e provocam a febre de criar e reproduzir personagens, modas e coreografias.
Do Rock around the clock à era do disco, dos anos 50 até a
noite passada, a música esquenta os embalos num movimento alucinante,
ensandecido, prestíssimo.
Amadeus respira. Toma fôlego para iniciar o último ato, o gran
finale. O audacioso regente, num movimento andante, nos conduz
a um surpreendente encontro com a nossa capacidade de transformar
imagens em músicas e, ao ouvi-las, recriá-las na memória: "Ouvindo
tudo o que vejo...". Cada cena que gravamos toca na lembrança:
"...vou vendo tudo o que ouço". Nossas narrativas harmonizam
música, interpretação, dança, figurino e cenário. Cada um é capaz
de compor a sua própria obra - ópera - recolhendo o que de mais significativo
tocou sua alma.
Do palco italiano aos musicais, tantas obras traduziram nossas histórias
- glórias e epopéias, a vida simples e cotidiana - contada por roteiros
e enredos. A cena que encerra a obra criada pela Unidos da Tijuca
será aquela que representa o mais impressionante espetáculo a céu
aberto: o desfile das Escolas de Samba, a ópera de rua, apresentada
mais uma vez, na passarela do samba, o maior palco do mundo.
Paulo Barros |