Projeto nacionalista de Getúlio Vargas se beneficiou do samba

 

Estudo revela que Vargas utilizou artifícios semelhantes aos usados por Benito Mussolini. A instalação de auto-falantes em praças e favelas contribuiu para a iconização do samba

          Que o samba é considerado um dos maiores símbolos de brasilidade não é nenhum segredo. O que nem todos sabem é que Getúlio Vargas, enquanto estava no poder, pegou uma carona na popularização deste gênero musical, auxiliando em sua difusão e afirmação como ícone nacional.
          Nas primeiras décadas do século XX, com o desenvolvimento da indústria fonográfica, o alcance crescente do rádio e o fortalecimento da indústria de espetáculos, o samba foi ganhando voz no País.
          "O processo de popularização do samba era iminente, mas certamente a política de Vargas contribuiu para a sua consolidação no panorama nacional", conta o músico e historiador Magno Bissoli, autor da tese de doutorado Caixa Preta: samba e identidade nacional na Era Vargas. Impacto do samba na formação da identidade na sociedade industrial: 1916-1945, apresentado na Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP.
          A exemplo das doutrinas fascistas da Europa, o governo de Vargas sempre se caracterizou pela exaltação ao nacionalismo. Porém, em um Brasil com apenas quatrocentos anos de história cuja maior parte da população era composta de descendentes de escravos e pessoas marginalizadas, principalmente negros e mestiços, havia o problema da identidade nacional. "O varguismo intentou forjá-la com bases na cultura, lançando mão de artifícios semelhantes aos usados por Benito Mussolini na Itália", explica Bissoli.
          Os recursos utilizados por Vargas iam desde a projeção de filmes em paredes de casas, a instalação de auto-falantes em praças interioranas e entradas de favelas à estatização de veículos de comunicação e censura da imprensa, sempre sob a batuta de órgãos estatais de controle cultural e midiático, como o Departamento Oficial de Propaganda, criado em 1931, ou o Departamento de Imprensa e Propaganda (DIP), de 1939.

Rádio

          Com seu crescente e promissor poder de influência, o rádio não poderia ser deixado de fora. Assim, em 1940 a Rádio Nacional foi incorporada ao patrimônio da União, passando a ser totalmente controlada pelo Estado. No mesmo ano, o famoso radialista Almirante passou a comandar programas musicais de conteúdo popular, tornando-se "uma figura importante para a propagação, pelo rádio, da idéia de uma nacionalidade", afirma Bissoli.
          No mesmo período foi criada a Orquestra Brasileira, com o maestro Radamés Gnattali que, na onda nacionalista, interpretava a música brasileira com o mesmo tratamento destinado à estrangeira. Além disso, a orquestra agregou instrumentos tradicionais da música popular brasileira, como o cavaquinho, o violão e vários instrumentos de percussão.
          O pesquisador revela que nessa época "surgiram diversas composições, algumas de sambistas famosos, que apoiavam Vargas e o Estado Novo". Nomes como Ataulfo Alves, João de Barro e Moreira da Silva compuseram e interpretaram alguns destes sambas, num claro exemplo de que o samba estava, cada vez mais, atingindo a grande massa.
          Para ter um embasamento que permitisse fazer estas afirmações, Bissoli realizou em seu trabalho um breve histórico do samba, no qual analisou, entre outras coisas, a estrutura musicográfica do gênero, explicitando suas semelhanças com a dos toques de cultos de religiosidade afro-brasileira.
          Outro ponto levantado pela pesquisa foi o de que para ser aceito pela sociedade, principalmente pela elite, o samba precisou sofrer um processo de "embranquecimento". Já na década de 1930, a chamada "época de ouro", nota-se uma grande quantidade de sambistas brancos neste meio, atraídos pelo sucesso samba.

André Benevides
Publicado originalmente na USP em revista - História - em 26 de maio de 2004

 

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