Purismo

 
         Mais uma vez surgem os velhos conceitos para simplificar e classificar. Se alguém critica as escolas de samba por buscarem a mídia através dos artistas, deduz-se que essa pessoa considera a presença destes um estorvo. É como se fosse algo óbvio. Criticando os "inconvenientes artistas", a pessoa só pode estar defendendo que os jornais  publiquem  reportagens da dona Maria, cozinheira da cantina do Uraiti. E aí, também óbvio, surge o rótulo de PURISTA.
         Acho que dicotomizar a discussão desse modo é de extrema ingenuidade. Pra começar, defendo que a questão não está na presença ou na ausência do artista, como alguns insistem em manter o foco, mas sim na PRIORIDADE das escolas de samba.
         É verdade que o "samba de raiz" está se tornando modismo, especialmente para as classes médias e alta, mas acho ingenuidade acreditar que isso, por si só, trará algum resultado positivo para as escolas de samba. Há alguns anos, a febre dos pagodeiros tomou conta do país. Hoje, eles já se tornaram "cantores de música popular", e as escolas de samba não se beneficiaram em nada, ao contrário do que o Luiz Fernando acredita.Nada terá resultado concreto se as escolas de samba não priorizarem o resgate de sua popularidade, começando um trabalho sério e profissional.Vejam, por exemplo, o CD. No final da década de 80, o LP das escolas de samba vendia mais de 1 milhão de cópias. Lembro que em todas as lojas via o LP das escolas de samba disputando com o álbum do Roberto Carlos o primeiro lugar nas vendas. Hoje, entretanto, o CD vende menos de 100.000. Enquanto o Roberto Carlos continua disputando os primeiros lugares, os CDs das escolas de samba encalham. Isso quando a loja, a exemplo do Carrefour, já não desistiu de vender o CD , sabendo que a maior parte não vai ser vendida.
         Ora, é claro que o CD das escolas de samba perdeu espaço, e esse processo começou quando as escolas tiveram a concorrência direta da música baiana, o Axé, que invadiu o mercado de maneira agressiva. Para mim, para conquistar o espaço perdido, é preciso uma atitude concreta. Divulgar maciçamente o produto, procurar as rádios e "jogar os jogo", ou seja, ver o que é necessário para tocar o produto. Fazer eventos, festas abertas e tomar atitudes profissionais.
         No entanto, o que eu vejo é a total inércia das escolas de samba diante do quadro atual. Purismo, pra mim, é achar que no final do ano todos vão ter vontade de comprar o CD das escolas de samba, ignorando que, numa economia de mercado, a inércia fará o produto ser engolido pela concorrência.
         Nisso, ao invés do comodismo de se esperar o espaço da mídia propiciado pelo artista, é necessário um trabalho sério e profissional. É muita ingenuidade acreditar que alguém entrará na loja e dirá : "vou comprar esse CD de escola de samba porque tinha uma loira peituda à frente da bateria" ou " como a Luma gosta de escola de samba, eu também gosto e vou comprar o CD".Dizem, os comodistas, que a venda de CDs caiu por causa da pirataria. Ora, a pirataria afeta todo mundo. Existem bem mais CDs Piratas do Roberto Carlos que das escolas de samba, mas o produto dele continua disputando a liderança das vendas.A queda na venda do CD é apenas um reflexo da queda da popularidade das escolas de samba.A mídia está  correta em priorizar os artistas em suas páginas. Eles vivem do que o povo consome, e se o povo quer ver os artistas, é isso que eles precisam divulgar. Eles estão apenas buscando seus interesses.O que vocês não percebem é que, na verdade, este estado é o reflexo mais claro dessa queda de popularidade das escolas de samba. Hoje em dia, a única coisa que desperta interesse do público são os artistas, e não mais as escolas propriamente ditas. Alguém já reparou, por exemplo, que a Globo, nos últimos 10 anos, praticamente abandonou as reportagens durante o desfile? Antes, havia a preocupação de buscar a informação, ver o que estava dando errado. A emissora possuía, entre seus comentaristas, uma equipe competente que julgava e avaliava as escolas. Hoje, isso não existe, e não existe porque é irrelevante, as pessoas não estão mais preocupadas com isso. Que diferença faz se o desfile da Mangueira mereceu 10 e o da Beija-Flor 9, é mais fácil narrar e elogiar tudo. O público é nivelado por baixo e, claro, todos estão mais preocupados com os artistas que com o mestre-sala que perdeu o sapato.Não é preciso muito esforço para perceber que a queda na venda de CD e a mudança da forma de transmissão na Globo caminham juntos, são reflexos difusos de uma mesma imagem.A Globo está errada? Não. Ela está agindo profissionalmente, tentando satisfazer a vontade do público. Quem tem a perder com isso são as escolas de samba. São elas que devem agir e trabalhar para resgatar sua popularidade, são elas que devem difundir suas imagens, seus valores e suas músicas. São elas, as escolas, que devem se preocupar em conquistar o espaço perdido.Entretanto, ao invés de priorizar um trabalho sério e profissional para resgatar a popularidade, se acomodam com o toque de "Midas" dos artistas. Não é brigando pelo passe de artistas que consigam 10 cm de notinhas de jornal que as escolas de samba venderão CDs, fantasias, terão suas quadras lotadas e etc. Mudar o quadro atual depende de uma atitude profissional  das escolas, um trabalho que valorize seus aspectos intrínsecos, seus elementos fundamentais, para que o público sinta-se novamente atraído pelas escolas, para que os jovens encontrem motivação na batida de uma bateria, para que as pessoas sintam prazer em ouvir sambas de enredo, que façam suas festas, seus momentos felizes em família, ouvindo samba. É só depois deste trabalho que a mídia poderá valorizar os elementos das escolas de samba, só depois que estes encontrarem resposta no público.No ritmo que estamos indo, se o resgate da popularidade não se tornar prioridade, os próprios artistas, tão importantes para o Luiz Fernando, se afastarão. Não fará mais sentido a Globo pagar uma fortuna para o evento, e o próprio turista terá outro lugar para visitar. Sem base popular, não existe artista e nem turista.
         E então, talvez fique claro que purismo é acreditar que os artistas sempre estarão disponíveis para as escolas de samba. Eles sobreviverão nos desfiles de moda, programas de auditório, shows, comícios.....

Fábio Pavão
(Fábio Pavão é pesquisador de Carnaval e um dos Webmasters da Home Page da G.R.E.S. Portela)

 

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