O poeta dos carnavais

 

Há 33 anos morria no Rio de Janeiro Silas de Oliveira, o rei do samba-enredo

          No samba, quase sempre se entra por causa das más companhias; e se continua por causa das boas. Daí que a vida de Silas de Oliveira (1916-1972) tomou o rumo da felicidade quando ele conheceu Antônio dos Santos, o Mestre Fuleiro (tio de Dona Ivone Lara) e Décio Antônio Carlos, o Mano Décio da Viola. Alguns especialistas no assunto (e não são poucos) garantem: entre os melhores sambas-enredos de todos os tempos no carnaval carioca estão, com lugar cativo, os que trazem esses versos:
          ''Ô, ô, ô, ô, liberdade senhor.../ Passava noite, vinha dia/ O sangue do negro corria, dia a dia/ De lamento em lamento, de agonia em agonia/ Ele pedia o fim da tirania'' (Heróis da liberdade, Império Serrano/1971); ''Carnaval, doce ilusão/ Dê-me um pouco de magia/ De perfume e fantasia/ E também de sedução/ Quero sentir nas asas do infinito/ Minha imaginação'' (Cinco bailes da história do Rio, Império Serrano/1965); e ''Vejam esta maravilha de cenário/ É um episódio relicário/ Que o artista num sonho genial/ Escolheu para este carnaval'' (Aquarela brasileira, Império Serrano/1964).
          Em todos esses sambas antológicos, uma marca comum: os versos e a verve de Silas. Sozinho ou com parceiros do gabarito de Mano Décio da Viola, Manoel Ferreira, Dona Ivone Lara ou Bacalhau, conquistou posição indiscutível como o maior vencedor e mais brilhante autor de sambas para desfiles de escolas. Sempre com versos inspiradíssimos e uma pegada melódica responsável por conduzir, com magia e leveza, a verde e branco de Madureira, Império Serrano, por tantos brilhos e tantas glórias.
          O carioquíssimo Silas Oliveira de Assumpção nasceu em Madureira, bairro de onde nunca se afastou, no dia 4 de outubro de 1916. Filho de um pastor protestante, teve infância modesta porém decente, com instrução sólida e educação rígida. Foi criado na Rua Maroim (hoje Rua Compositor Silas de Oliveira), no sopé do Morro da Serrinha, onde o Império começou, onde muito coisa boa começou, onde o futuro compositor da escola começou a praticar, com um prazer cada vez maior, o samba e o jongo, companheiros e fontes de inspiração a vida inteira.
          O primeiro samba-enredo vem ao mundo e à quadra em 1946, Conferência de São Francisco, com Mano Décio. A escola ainda era a Prazer da Serrinha. Só em 1947 fundou a Império Serrano, juntamente com Molequinho, Fuleiro e outros bambas. Por 14 inesquecíveis carnavais o Império cantou sambas de Silas de Oliveira; e duvido que alguma vez tenha se arrependido.
          Quando não estava cantando samba na quadra nem no terreiro, Silas estava cantando nas rodas de samba, da Zona Norte à Sul, onde fosse convidado. Foi numa dessas que o coração de poeta pregou uma peça: quando participava de roda no Clube ASA, em Botafogo, promovida pelo compositor Mauro Duarte, teve um infarto fulminante. Era o dia 20 de maio de 1972. O corpo foi velado na Associação das Escolas de Samba do Rio de Janeiro e o enterro foi acompanhado pelos maiores nomes do carnaval. Os jornais dizem que cantavam, no cemitério, os versos de Herói da liberdade.

Luís Pimentel
(Publicado originalmente no Jornal do Brasil em 23/05/2005)

 

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