|  |             Algumas 
        crianças aprendem que, quando uma pessoa morre, vira mais uma brilhante 
        estrela no céu. Já ouvi as mais diversas interpretações para a morte, 
        das mais diferentes religiões, culturas e épocas, mas nenhuma é tão poética 
        quanto esta que acalenta o imaginário infantil.Alguns acham errado. Dizem, com propriedade 
        de especialistas, que a criança deve entrar o mais rápido possível na 
        pragmática realidade do adulto, pois a vida não é feita de ilusões.
 Eu sempre achei que o ideal seria o inverso. Nós, adultos frios e insensíveis, 
        deveríamos aprender com a bela imaginação infantil, pois, se na prática 
        a vida não mudará, ficará bem mais bonita se for traduzida por eufemismos.
 Nunca conversei com "seu" Argemiro. Jamais troquei qualquer 
        palavra este senhor. Geralmente ele era o centro das atrações, a maioria 
        das vezes sobre palcos iluminados. Eu, lá em baixo, era apenas mais um 
        que o aplaudia. Muitos lotavam os camarins após as apresentações. Eu, 
        nunca. Caminhando com dificuldade por quadras e salões lotados, as pessoas 
        o reverenciavam, o tocavam, puxavam assunto, conversas, elogios...Eu, 
        jamais o toquei, jamais o elogiei pessoalmente.
 Eu apenas admirava "seu" Argemiro. Contemplando seu rosto marcado, 
        via a beleza de uma história de vida sofrida, de lutas, que evidencia 
        todas as dificuldades dos verdadeiros sambistas, cujo reconhecimento só 
        foi alcançado no fim de uma longa carreira. Meu olhar se perdia no 
        tempo. Via em sua imagem uma ponte que ligava o passado e o presente, 
        que unia no mesmo tempo e espaço as Portelas de hoje e de outrora, unificando 
        novamente aquilo que a história separou.
 Às vezes nossos olhares inevitavelmente se cruzavam. Pequenos instantes 
        de conivência em que me sentia mais próximo da verdade que eu acredito. 
        Meu olhar, envergonhado, desviava.
 Agora, seu Argemiro, chegou a hora de virar estrela. Na constelação de 
        grandes sambistas, brilhe intensamente como fez em vida. Meus olhos agora 
        olharão para cima, mas meus sentimentos permanecerão o mesmo, apenas com 
        um pouco mais de saudade. E quando uma criança olhar para céu direi, orgulhoso, 
        que um daqueles belos pontos luminosos é o senhor. Nossos olhares continuaram 
        se cruzado.
 Descanse em paz, Seu Argemiro.
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